Estudos
anteriores indicaram que a molécula, criada pela rede de pesquisa Farmabrasilis
a partir do fungo Aspergillus oryzae, tem ação imunomoduladora, ou
seja, estimula o sistema imune a combater diversos tipos de tumores e doenças
infecciosas, entre elas malária, leishmaniose visceral e algumas viroses
hemorrágicas.
Agora,
pela primeira vez, os possíveis mecanismos de ação da droga foram descritos.
Testes in vitro com células humanas e experimentos em animais
revelaram que o P-MAPA ativa receptores existentes na membrana celular
conhecidos como toll-like. Além disso, em ratos, a droga modificou
a expressão da proteína p-53, possivelmente relacionada à regulação dos
receptores.
“Os
receptores toll-like são capazes de reconhecer fragmentos de
vírus e bactérias, além de fatores moleculares associados a tumores ou a
doenças infecciosas”, explicou Wagner José Fávaro, professor do Instituto de
Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e orientador do
trabalho de pós-doutorado de Fábio Rodrigues Ferreira
Seiva.
Esses
receptores podem auxiliar na redução tumoral de duas maneiras: inibindo a
formação dos vasos sanguíneos que irrigam a região e recrutando células de
defesa para atacar o tumor.
Segundo
Fávaro, o P-MAPA – abreviação de agregado polimérico de fosfolinoleato-palmitoleato
de magnésio e amônio proteico – atua especificamente sobre os subtipos 2 e 4
dos receptores toll-like. De acordo com a literatura científica,
esses subtipos estariam relacionados ao câncer de bexiga.
“Ainda
não se sabe com certeza se a resposta desencadeada por eles é favorável ou
desfavorável. Podem atuar como reguladores negativos ou positivos da
carcinogênese, mas nossos resultados indicam que a ativação dos receptores
auxiliou na regressão do tumor”, disse Fávaro.
Os
experimentos foram realizados em ratos. Os pesquisadores introduziram
diretamente na bexiga dos animais o carcinógeno N-metil-N-nitrosoureia
(composto N-nitroso) – substância também existente no cigarro. Após oito
semanas de exposição, os roedores já apresentavam lesões pré-malignas e
malignas na bexiga urinária.
“Esse
modelo animal se aproxima muito do que acontece com humanos. fumantes e
trabalhadores expostos a determinadas substâncias químicas inalam o N-nitroso e
o excretam na urina. O contato do carcinógeno com o epitélio da bexiga, ao
longo do tempo, acaba causando o câncer”, explicou Fávaro.
Os
animais foram então tratados por outras oito semanas. O efeito do P-MAPA foi
comparado com o da vacina BCG (sigla para Bacillus Calmette-Guerin), usada
originalmente na prevenção da tuberculose e considerada atualmente a melhor
opção para o controle do câncer de bexiga.
“O
principal tratamento para o câncer do tipo não-músculo invasivo, que apresenta
lesões superficiais, consiste em remover cirurgicamente o tumor e aplicar a imunoterapia
com a vacina BCG diretamente na bexiga”, disse Fávaro.
Descobriu-se
na década de 1970 que a BCG induz uma resposta imune massiva, estimulando a
produção de células que atacam o tumor. No experimento, os ratos tratados com a
vacina, verificou-se uma redução de 20% a 30% no grau tumoral, mas os animais
continuavam a apresentar lesões malignas.
Já no
grupo que recebeu o P-MAPA, a redução do grau tumoral foi de 90%. “Os animais
deixaram de apresentar lesões malignas e pré-malignas, passando a apresentar
apenas lesões inflamatórias”, disse Fávaro.
Outra
vantagem do P-MAPA é a baixa ocorrência de efeitos adversos verificada em
estudos com diversos tipos de animais. “A BCG é preparada com bacilos atenuados
e, portanto, é contraindicada para pacientes com imunodeficiência”, disse.
Os
efeitos colaterais, explicou o pesquisador, estão presentes em mais de 90% dos
pacientes tratados com BCG e vão desde sintomas irritativos leves até reações
alérgicas, instabilidade hemodinâmica e febre persistente. Nesses casos, o
tratamento precisa ser suspenso.
“Nos
testes com animais, o P-MAPA mostrou resultados mais eficazes e com menores
efeitos colaterais. Isso indica que pode se tornar um grande aliado no
tratamento”, destacou Fávaro.
Tuberculose
A
eficácia do P-MAPA no combate à tuberculose foi investigada graças a uma
parceria da Farmabrasilis com o National Institute of Allergy and Infectious
Diseases (NIAID) e pesquisadores da Colorado State University, nos Estados
Unidos.
“Primeiro
foram feitos testes in vitro, nos quais foi aplicado o P-MAPA sobre colônias da
bactéria causadora da tuberculose. O objetivo era ver se a droga possuía efeito
antibiótico”, contou Fávaro.
O
resultado foi negativo. Quando comparado aos antibióticos normalmente usados no
tratamento da tuberculose, o P-MAPA não se mostrou capaz de inibir o
crescimento dos bacilos. “Mas quando foi testado em animais, o imunomodulador
se mostrou capaz de reduzir significativamente as unidades formadoras de
colônias”, ressaltou.
O
experimento foi feito com ratos infectados com a bactéria causadora da
tuberculose por meio de um aerossol. Nesse caso, o tratamento com o P-MAPA foi
comparado com o moxifloxacin (fluorquinolona), antibiótico sintético de quarta
geração em fase final de aprovação pela Food and Drug Administration (FDA) –
órgão do governo norte-americano que regula medicamentos.
No grupo
tratado com P-MAPA, houve uma redução de 28% da carga bacteriana. No grupo
tratado com Moxifloxacin, a queda foi de 40%. Os animais tratados com a associação
das duas drogas apresentaram carga bacteriana 38% menor.
“O P-MAPA
sozinho teve um efeito menor, mas também causou menos reações adversas. A
vantagem de associar as duas drogas é que você consegue obter um resultado
semelhante ao do moxifloxacin isolado, mas com menos efeitos colaterais”, disse
Fávaro.
Em
diversas pesquisas realizadas com animais e em testes preliminares com humanos,
o P-MAPA apresentou baixa toxicidade. Até o momento, não foram relatados efeito
adversos importantes nas dosagens usadas experimentalmente.
Farmabrasilis
A rede
Farmabrasilis, entidade sem fins lucrativos criada em 2001 e constituída por
cientistas brasileiros, chilenos, europeus e norte-americanos, também pesquisa
outros candidatos a fármacos. O P-MAPA é o produto em estágio mais avançado de
desenvolvimento.
“O
próximo passo é tentar provar em testes com seres humanos que a droga pode ser
uma opção terapêutica valiosa”, disse Iseu Nunes, um dos diretores da rede.
Segundo
Nunes, a droga poderia ser usada em conjunto com a vacina BCG no tratamento do
câncer de bexiga. Também poderia ser usada para auxiliar antivirais e
antibacterianos no tratamento de doenças infecciosas.
A
Farmabrasilis é a primeira a adotar no Brasil o modelo de fonte aberta para o
desenvolvimento de fármacos e opera com uma política diferenciada de
propriedade intelectual.
“Todos os
produtos em desenvolvimento podem vir a ser cedidos gratuitamente para o
tratamento de doenças negligenciadas e para programas de interesse da saúde
pública”, contou Nunes.
Para
financiar seus projetos, a rede conta com doações, parcerias nacionais e
internacionais, apoio de órgãos de fomento e trabalho voluntário de seus
integrantes. Os estudos do P-MAPA em tuberculose foram apoiados pela
Farmabrasilis e NIAID e os estudos em câncer de bexiga pela Farmabrasilis,
FAPESP e CNPQ.
Há pelo
menos outros cinco projetos de pesquisa financiados pela FAPESP, alguns já
concluídos, que investigam o efeito do P-MAPA no combate a doenças como, leishmaniose
visceral em cães , câncer
de bexiga e
na inflamação
induzida por toxinas da bactéria Escherichia coli.
O artigo Effects of P-MAPA
Immunomodulator on Toll-Like Receptors and p53: Potential Therapeutic
Strategies for Infectious Diseases and Cancer pode ser lido em www.infectagentscancer.com/content/pdf/1750-9378-7-14.pdf.
Por Karina Toledo