Primeiramente
encontrada em 1924 no mosquito Culex pipiens, a Wolbachia
pipientis é uma bactéria presente nas células de cerca de 70% dos
insetos, desde borboletas ao pernilongo.
O Aedes
aegypti, vetor da dengue – considerada a mais importante doença viral
transmitida por mosquitos no mundo –, pertence aos 30% de invertebrados que não
têm a bactéria. Ou não tinham.
Pesquisadores
descreveram, durante o 28º Congresso Internacional de Medicina Tropical, evento
realizado no Rio de Janeiro entre os dias 24 e 27 de setembro pela Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical, como a Wolbachia pode atuar
como uma “vacina” para o Aedes, bloqueando a multiplicação do vírus
dentro do inseto ao ser inoculada no mosquito.
Cada cepa
da bactéria é responsável por uma reação em seu hospedeiro. Há alguns anos, ao
observarem que ela diminuía pela metade o tempo de vida da Drosophila (a
mosca-das-frutas), cientistas do programa internacional “Eliminar a Dengue:
Nosso Desafio”, liderados por Scott O’Neill, da Universidade de Monash
(Melbourne, Austrália), demonstraram que a Wolbachia, se inoculada
no Aedes aegypti, poderia também reduzir a longevidade do mosquito,
diminuindo a sua capacidade de transmitir o vírus.
“Se o
mosquito vivesse pela metade, ele teria menor chance de transmitir o vírus, já
que esse precisa ficar incubado de oito a dez dias dentro do corpo do vetor.
Então, pensamos que, se vivesse 15 em vez de 30 dias, o inseto morreria antes
de se alimentar e de haver a incubação do vírus”, disse o entomologista
molecular Luciano Moreira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição
brasileira parceira do projeto mundial.
“Mas,
quando inoculamos a bactéria, ficamos surpresos ao ver que ela, além de
diminuir o tempo de vida do mosquito, também fazia com que o vírus não se
desenvolvesse”, disse.
“Agora,
há uma nova cepa da bactéria que está sendo usada na Austrália e que não
encurta a vida do inseto, mas apenas bloqueia o vírus. Então, a ideia de
encurtamento da vida do mosquito já não é tão importante. O importante é o
bloqueio do vírus”, disse Moreira.
A Wolbachia foi
transferida da mosca-das-frutas para o Aedes aegypti por meio
da técnica de microinjeção, que consiste em uma agulha fina que insere a
bactéria nos ovos do mosquito.
Em 2008,
Moreira se mudou para a Austrália e passou a trabalhar com a equipe de
pesquisadores que desenvolviam o projeto no país. “A partir do momento que
tivemos a linhagem de mosquitos com a bactéria, trouxemos os ovos para o Brasil
e fizemos o cruzamento com as populações brasileiras de mosquitos, ainda
mantidos em laboratório”, contou.
No
Brasil, o projeto em sua primeira fase foi focado na manutenção de colônias dos
mosquitos com a bactéria e no cruzamento com Aedes aegypti de
populações brasileiras.
A soltura
da nova linhagem de mosquitos na natureza deve ocorrer no começo de 2014, no
Rio de Janeiro, escolhido por este ser o estado campeão de casos da doença e
pela quantidade de mosquitos encontrada ao longo do ano inteiro. Na Austrália,
os mosquitos com as bactérias já foram soltos. No Vietnã e na Indonésia, a
soltura ocorrerá no ano que vem.
“Há um
processo de preparação. Temos que trabalhar primeiro com as comunidades e
informá-las sobre o projeto. Além disso, precisamos conhecer dados
entomológicos sobre as populações de mosquitos locais”, explicou Moreira.
Projeto
seguro e sustentável
A Wolbachia só
pode ser transmitida verticalmente (de mãe para filho) por meio do ovo da fêmea
do mosquito. Fêmeas com Wolbachia sempre geram filhotes com a
bactéria no processo de reprodução.
“Por
isso, uma vez estabelecido o método em campo, os mosquitos continuam a
transmitir a bactéria naturalmente para seus descendentes”, disse Moreira.
Após
soltos em campo, o número de mosquitos machos e fêmeas com Wolbachia tende
a aumentar, até que a população inteira de mosquitos tenha a bactéria e o vírus
não se estabeleça mais.
“Nossa
estratégia é completamente compatível com outras. Não será a única forma de
controle da dengue. As pessoas terão que continuar a tirar os criadouros e os
cientistas a continuar as pesquisas em vacinas”, disse Moreira.
O
entomologista ressalta as principais características do projeto, como a
segurança e a autossustentabilidade. “É um projeto seguro, pois a bactéria já
está presente na natureza. É autossustentável porque, a partir do momento em
que é colocada no campo, a bactéria é passada para a natureza. Além de tudo
isso, não tem fins lucrativos. Os mosquitos não serão vendidos. Serão
espalhados e assim utilizados”, afirmou.
Assim
como o A. aegypti, o Anopheles, principal vetor da
malária no Brasil, não tem a bactéria. “Mas já foi demonstrado que se a Wolbachia for
injetada no corpo do mosquito ela bloqueará o parasita causador da malária”,
destacou Moreira.
Por: Washington Castilhos – Agência FAPESP