Nos laboratórios do Instituto de
Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), um mistério de meio século se
desfez. Um vírus, detectado pela primeira vez em 1961, foi finalmente
classificado. Pesquisas realizadas desde então não entravam em consenso sobre
qual era o gênero do micro-organismo, que afeta o sistema nervoso central dos
camundongos, provocando paralisia e encefalite.
Os novos estudos revelaram que seu
potencial de infecção de seres humanos é baixo, mas ele pode ser útil em
terapias oncológicas.
— Já conferimos que o vírus se
multiplica bem em células cancerígenas.
Agora, vamos verificar se o mesmo
ocorre em outras não-tumorais — explica Clarissa Damaso, professora adjunta do
IBCCF e autora principal do projeto, da revista científica “Journal of
Virology”. — Se ele se replica bem em células tumorais humanas e mal nas
demais, podemos estudar a capacidade de ele ser um vírus que mata células de
câncer.
Células Tumorais foram
destruídas
O vírus cotia, como é conhecido, foi
descoberto quando pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo,
deixaram camundongos em gaiolas próximas a uma área verde. Por uma semana eles
ficaram expostos a micro-organismos e seus hospedeiros, como mosquitos. Quando
retornaram a laboratório, constatou-se que parte deles apresentava doenças
neurológicas.
Durante 50 anos, três grupos de
pesquisa tentaram caracterizar o micro-organismo. Descobriram apenas que era da
família dos poxvírus, a mesma que abriga o agente causador da varíola. Agora,
porém, os cientistas usaram os mais modernos métodos biológicos e moleculares
disponíveis para sequenciar o genoma completo do vírus.
— Outros trabalhos tentaram definir
qual seria o gênero, dentro desta família, em que este vírus se encaixava.
Por isso não atingiram o resultado:
porque se trata de um gênero novo — ressalta Clarissa. — O risco que ele
promove é grande em roedores e, aparentemente, cervos ou algum outro mamífero
da floresta. O homem não deve servir como hospedeiro.
Se fosse, acredito que, a esta altura,
teríamos notícias de pessoas infectadas.
Segundo a análise conduzida pela
equipe de Clarissa, a produção de partículas infecciosas atinge, em uma cultura
de células em laboratório, o pico em até 48 horas. Em cada animal, porém, esta
produção repercute de uma forma: as células de um primata mal denunciavam a
presença do micro-organismo, mesmo estando contaminadas.
Já as células de glioma humano ou de
um rato, que são tumorais, pareciam totalmente destruídas após a infecção.
A diferença, segundo o estudo, pode
denunciar que, em certos seres vivos, o efeito do micro-organismo se daria de
uma forma mais devagar.
O sequenciamento do genoma revelou,
também, genes nunca descritos para esta família de vírus.
— Estes genes, semelhantes aos de
vertebrados, podem dar indicações de possíveis hospedeiros desses micro-organismos
— salienta Clarissa.
— Provavelmente, ao longo da evolução
desse vírus, esses genes foram incorporados de seus hospedeiros.
Não genes tipicamente virais, mas
aqueles com alto grau de semelhança com genes de animais.
O destaque obtido pelo trabalho na
publicação científica é, para Clarissa, uma prova de que trabalhos de pesquisa
básica são fundamentais.
— Encaixamos um quebra-cabeça de 50
anos, e obtivemos um resultado relevante — destaca a chefe do Laboratório de
Biologia Molecular de Vírus da UFRJ, que contou com a ajuda das alunas de
pós-graduação Priscila Afonso, Patrícia Silva e Laila Schnellrath. — Este
experimento mostra como há, no país, condições de fazer uma pesquisa básica de
qualidade. E, também, como recebemos reconhecimento de nossos colegas do
exterior, se houver financiamento para nossos estudos.
Por: Renato Grandelle - O Globo
