A síndrome de locked-in, ou síndrome do cativeiro, ocorre quando existe uma lesão extensa das conexões neurais entre o cérebro e os movimentos do corpo, porém com absoluta preservação das estruturas cerebrais responsáveis pela manutenção da consciência. Dessa forma, a despeito do paciente estar absolutamente consciente, ele é incapaz de demonstrar essa consciência.
As maneiras com as quais conseguimos demonstrar que estamos conscientes envolvem a realização de um movimento ou um som voluntariamente ou sob comando, mas pacientes em locked-in não conseguem realizar esses movimentos. Pode, então, parecer que estão em coma, exceto por um pequeno detalhe que fornece ao examinador a pista de que o paciente está consciente e responsivo a estímulos: a movimentação vertical dos olhos.
Devido a uma particularidade anatômica, as lesões cerebrais que levam ao locked-in ocorrem em um local que preserva o comando voluntário para a movimentação vertical dos olhos. Dessa forma, o paciente não consegue mover os olhos na horizontal, não consegue emitir sons, não consegue mover braços, pernas, face, boca ou língua, mas consegue demonstrar que está consciente pela movimentação vertical dos olhos. É um estado em que o paciente está "preso" dentro dele próprio.
A síndrome em si é rara por dois motivos. Primeiramente porque é necessário que haja uma lesão com características muito específicas no sistema nervoso, o que não é comum. Além disso, como as causas que levam a essa síndrome são patologias muito graves, frequentemente o paciente não sobrevive a ponto de ficar nessa condição médica por muito tempo.
A causa mais comum é o acidente vascular cerebral, tanto isquêmico quanto o hemorrágico. Contudo, a lesão precisa acontecer em uma área do cérebro chamada ponte, que fica no tronco encefálico. Na porção anterior da ponte, existem diversas estruturas (núcleos de nervos cranianos e fibras nervosas) que são responsáveis pela transmissão de impulsos elétricos que resultarão na realização de movimentos. Já na porção posterior da ponte, existem estruturas que são responsáveis pela estimulação global do cérebro para manter o nível de consciência. Dessa forma, para que uma lesão leve à síndrome de locked-in, o paciente deve ter lesada a porção anterior da ponte, preservando a parte posterior.
O paciente pode recuperar a capacidade de piscar, mas o movimento que é mais preservado é o da movimentação vertical dos olhos. Dessa forma, estratégias de comunicação alternativa podem ser estabelecidas. Um caso clássico de comunicação em síndrome de locked-in ocorreu com um editor de uma revista de moda francesa. Após ter um acidente vascular cerebral e ficar com a síndrome de locked-in, ele escreveu um livro, ditando letra por letra com o piscamento. Posteriormente foi feito um filme com a história do livro (O escafandro e a borboleta).
Numa fase muito inicial da lesão cerebral é possível considerar uma recuperação, sobretudo se algumas medidas de tratamento forem tomadas. Por exemplo, um paciente que se apresente agudamente com a síndrome de locked-in decorrente de um acidente vascular cerebral na ponte pode, nas primeiras poucas horas de quadro clínico, ser submetido a procedimentos que visam a desobstruir a artéria que está ocluída. O restabelecimento do fluxo sanguíneo cerebral em um tempo rápido o suficiente para que os neurônios não tenham morrido pode reverter o quadro. É por causa desse tratamento que pacientes com suspeita de acidente vascular devem ser imediatamente encaminhados para serviços de emergência.
Contudo, depois de certo tempo com a lesão, o prognóstico não costuma ser favorável para recuperação completa e, sem cuidados adequados, o paciente acaba por morrer de complicações clínicas de sua condição, tais como infecções ou embolia de pulmão.
Escrito por Dr. Marcelo Calderaro.
Jean-Dominique
Em seus ávidos 43 anos, editor de uma grande revista de moda, na volta para casa passa mal e desmaia. A ambulância é chamada e o leva para o hospital. Vítima de um grave AVC, entra em coma. Vinte dias mais tarde ele acorda, e descobre incrédulo que está com a raríssima síndrome de Locked-in.
Como desgraça pouca é bobagem, Jean-Dominique em pouco tempo desenvolve um problema no olho direito e perde-o. Portanto, se antes possuía dois olhos para realizar uma comunicação primitiva com o mundo exterior através de piscadelas, agora só possui o olho esquerdo.
Decidido em continuar a achar um sentido para sua vida, com a ajuda de uma fonoaudióloga, que recita as letras do alfabeto francês na ordem que mais ocorrem e espera a piscadela dele indicando que aquela é a letra que ele quer utilizar, Jean-Dominique escreve um livro inteiro, publicado no Brasil com o nome de "O Escafandro e a Borboleta", contando a experiência de se manter encarcerado dentro de seu próprio corpo.
Jean-Dominique realmente não aceitou a situação. Tentou se livrar de todas as formas de sua prisão, fazendo o máximo de coisas que lembrassem uma vida normal. Quando chegou ao seu limite de tentativas e viu que não teria jeito, decidiu "sair do seu emprego", pois aquilo já não lhe bastava. Infelizmente para ele, "sair do emprego" significava morrer. Mas decisão difícil era fichinha para ele. Pela leitura do livro, vê-se que, embora não completamente convencido, a decisão de desistir foi consciente - e morrer foi o seu prêmio.
Como desgraça pouca é bobagem, Jean-Dominique em pouco tempo desenvolve um problema no olho direito e perde-o. Portanto, se antes possuía dois olhos para realizar uma comunicação primitiva com o mundo exterior através de piscadelas, agora só possui o olho esquerdo.
Decidido em continuar a achar um sentido para sua vida, com a ajuda de uma fonoaudióloga, que recita as letras do alfabeto francês na ordem que mais ocorrem e espera a piscadela dele indicando que aquela é a letra que ele quer utilizar, Jean-Dominique escreve um livro inteiro, publicado no Brasil com o nome de "O Escafandro e a Borboleta", contando a experiência de se manter encarcerado dentro de seu próprio corpo.
Jean-Dominique realmente não aceitou a situação. Tentou se livrar de todas as formas de sua prisão, fazendo o máximo de coisas que lembrassem uma vida normal. Quando chegou ao seu limite de tentativas e viu que não teria jeito, decidiu "sair do seu emprego", pois aquilo já não lhe bastava. Infelizmente para ele, "sair do emprego" significava morrer. Mas decisão difícil era fichinha para ele. Pela leitura do livro, vê-se que, embora não completamente convencido, a decisão de desistir foi consciente - e morrer foi o seu prêmio.
Escrito por Dr. Zambol.

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