Embora bem tolerada, a metformina não aumenta a sobrevida quando associada à quimiorradioterapia em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) localmente avançado, podendo até piorar a sobrevida, sugerem resultados de dois estudos recentes de fase 2.
Estudos epidemiológicos sugeriram que a metformina estaria associada a uma redução da incidência de câncer, enquanto estudos de caso retrospectivos indicaram que os pacientes que tomaram o medicamento tiveram desfechos melhores.
Além disso, dados pré-clínicos mostraram que a metformina tem efeitos antineoplásicos, apresentando efeitos tanto citostáticos como citotóxicos.
Os atuais resultados lançam dúvidas, no entanto, em relação à possibilidade de replicação desses benefícios em ensaios clínicos randomizados e controlados, e portanto, de transposição para a prática clínica.
Apesar disso, "eu não acho que seja o fim da metformina", comentou o Dr. Heath D. Skinner, Ph.D., médico e primeiro autor de um dos ensaios, que foi publicado no periódico JAMA Oncology.
Ele disse em uma entrevista que, há "algumas áreas fundamentais nas quais penso que a metformina pode ser benéfica" no câncer de pulmão, como em associação com inibidores da tirosina quinase ou com imunoterapia.
O Dr. Heath também destacou o desempenho surpreendentemente bom da quimiorradioterapia padrão, mostrando o recente "progresso" alcançado nos últimos anos em relação à entrega e qualidade do tratamento.
Ausência de benefício na sobrevida
No primeiro ensaio clínico, que foi um estudo aberto de fase 2, NRG-LU001, pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas irressecável em estágio 3 e sem história de diabetes foram randomizados para receber quimioterapia à base de carboplatina + paclitaxel e radioterapia de forma isolada ou com acréscimo de metformina.
Entre os 167 pacientes elegíveis para a análise, a sobrevida livre de progressão em um ano foi de 60,4% no grupo de controle e de 51,3% no grupo da metformina (P = 0,24), após uma mediana de acompanhamento de 27,7 meses.
O único fator clínico associado à sobrevida livre de progressão na análise multivariada foi o estágio clínico, com uma razão de risco (HR, sigla do inglês Hazard Ratio) de 1,79 (P = 0,05), relatou o Dr. Heath, do University of Pittsburgh Hillman Cancer Center, e seus colaboradores.
Com a sobrevida global de 80,2% no primeiro ano no grupo de controle e de 80,8% no braço da metformina, e sem diferenças significativas nas taxas de recorrência locorregional ou metástases à distância, a equipe concluiu que adicionar metformina à quimiorradioterapia pode ter sido "bem tolerado, mas não aumentou a sobrevida".
Não recomendado
O segundo ensaio clínico randomizado, OCOG-ALMERA, inscreveu pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas localmente avançado estratificado em estágios 3A e 3B, novamente sem história de diabetes.
Os pacientes foram tratados com quimioterapia à base de platina + radioterapia torácica com ou sem quimioterapia de consolidação, e então randomizados para receber metformina ou nenhum tratamento adicional por até 12 meses.
O ensaio precisou ser interrompido precocemente por causa do acúmulo lento, com apenas 54 pacientes randomizados entre 2014 e 2019, escreveram os autores, liderados pelo Dr. Theodoros Tsakiridis, Ph.D., médico da Juravinski Cancer Center, McMaster University, no Canadá.
Os resultados revelaram que foi observada falha terapêutica em 69,2% dos pacientes no grupo da metformina e em 42,9% no braço de controle.
A sobrevida livre de progressão de um ano foi significativamente pior no grupo da metformina versus no braço de controle (34,8% e 63,0%, respectivamente; HR para progressão de 2,42), enquanto a sobrevida global foi de 47,4% versus 85,2%, respectivamente (HR para morte de 3,80).
Com o dobro de pacientes no grupo da metformina referindo pelo menos um evento adverso de grau ≥ 3, em comparação com os controles, os pesquisadores concluíram que o medicamento "não é recomendado para pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas localmente avançado que forem candidatos à quimiorradioterapia".
Direcionamento para futuras pesquisas
Esses resultados seriam uma sentença de morte para a metformina no tratamento do câncer de pulmão ou há lições a serem aprendidas com ambos os estudos, deixando uma porta aberta para futuras pesquisas? O Dr. Chukwuka Eze, médico do LMU Klinikum, na Alemanha, acha que talvez haja.
No editorial que acompanha os dois estudos, Dr. Chukwuka e colegas escreveram: "Apesar dos resultados negativos de ambos os estudos, podem ser extraídas informações inestimáveis para o desenho de pesquisas no futuro."
Por exemplo, "ainda pode haver um papel para a metformina em determinados pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas", continuaram, como os com tumores com mutação KRAS/LKB1 ou com metabolismo de fluorodeoxiglicose elevado.
Os editorialistas também sugeriram que os próximos estudos devem incluir uma verificação contínua dos parâmetros metabólicos, uma análise "abrangente" das respostas com imagens, bem como uma avaliação de biomarcadores.
Além disso, na era da imuno-oncologia, "é pertinente prestar uma especial atenção aos efeitos imunomoduladores da metformina no hospedeiro e no tumor".
Desfechos melhores do que o esperado
Além disso, ambos os estudos foram complicados por limitações que dificultam as conclusões.
No estudo OCOG-ALMERA, a ausência de cegamento e de controle com placebo e o acúmulo limitado foram fatores apontados pelos autores como "fraquezas" do trabalho.
O acúmulo "muito mais lento do que o previsto" pode ter ocorrido não apenas em função da exclusão dos pacientes com diabetes, mas também por um viés contra o estudo entre os médicos, que podem ter recorrido a estudos de imunoterapia para seus pacientes.
Por outro lado, o problema do NRG-LU001 foi o desempenho "melhor do que o esperado" do braço de controle, observaram os pesquisadores.
Eles fazem a comparação com o estudo PACIFIC, que mostrou que a administração de durvalumabe após a quimioterapia dupla à base de platina e a radioterapia concomitante foi associada a uma sobrevida livre de progressão da doença duas vezes maior do que com a quimiorradioterapia isolada.
No entanto, Dr. Heath e colaboradores apontaram que a sobrevida livre de progressão de um ano alcançada no PACIFIC com durvalumabe após quimiorradioterapia foi de 55,9%, menor do que a observada no braço de controle do NRG-LU001.
"A sobrevida livre de progressão no NRG-LU001 permanece impressionante, particularmente porque os pacientes do estudo PACIFIC foram randomizados apenas quando a progressão não foi detectada após quimiorradioterapia simultânea", escreveram os pesquisadores.
O Dr. Heath disse em uma entrevista que esperava que o braço de controle em seu estudo "tivesse um desempenho muito pior do que realmente teve", e afirmou não fizeram o acompanhamento da quimiorradioterapia com imunoterapia adjuvante, como seria o caso hoje, porque "não era o padrão quando o ensaio foi iniciado" e não passou a ser "até o final da avaliação".
O Dr. Heath alertou que há "muitas ressalvas" na comparação de dois ensaios diferentes, mas, olhando para os resultados em tela junto com os do PACIFIC, o médico disse: "Me parece que tem havido progresso na aplicação de quimiorradioterapia simultânea. Penso que a quimiorradioterapia simultânea e de boa qualidade e a melhora na entrega estão realmente entre as principais mensagens deste estudo".
NRG-LU001 foi financiado por fundos do NRG Oncology e do National Cancer Institute. OCOG-ALMERA foi financiado por um fundo dos Canadian Institutes of Health Research para o Dr. Theodoros. O Ontario Clinical Oncology Group patrocinou esse estudo.
O Dr. Heath informou receber fundos de pesquisa do National Cancer Institute e do National Institute of Dental and Craniofacial Research não relacionados ao trabalho em tela, e ter recebido previamente um fundo do National Cancer Institute para outro ensaio clínico relacionado à metformina. O Dr. Theodoros informou receber um fundo da Sanofi Canada para uma pesquisa sobre câncer de próstata não relacionada ao trabalho submetido. O Dr. Chukwuka informou não ter conflitos de interesses.
Este conteúdo foi originalmente publicado em MDedge.com – Medscape Professional Network.
Por Liam Davenport em Medscape
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