sábado, 30 de maio de 2020

O conto de dois medicamentos japoneses em testes para combater a Covid-19

Na procura global por tratamentos para o novo coronavírus, o antiviral favipiravir é aclamado por Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão, e recebe 128 milhões de dólares de financiamento do governo.

Mas este não é o único medicamento no pedaço.

O mesilato de camostato, um medicamento usado para o tratamento da pancreatite há 35 anos fabricado pela Ono Pharmaceutical Co., sediada em Osaka, no Japão, conquistou o interesse de cientistas japoneses e do mundo, mas gerou pouco alarde ou assistência estatal.

Os dois medicamentos estão entre as dezenas de outras substâncias sendo testadas em todo o mundo e ilustram como a corrida para o desenvolvimento de tratamentos e vacinas ainda está em aberto, apesar de políticos como Shinzo Abe e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, promoverem os potenciais benefícios de determinados medicamentos.

O rendesivir ganhou vantagem nessa disputa depois de a divulgação dos promissores resultados preliminares de um estudo ter levado à aprovação emergencial da substância nos EUA e no Japão. 

Embora o rendesivir tenha se mostrado promissor em reduzir o tempo de recuperação de pacientes hospitalizados, a busca por outras opções de tratamento continua.

O interesse no favipiravir surgiu em março, depois de uma autoridade chinesa dizer que o medicamento parecia contribuir para a recuperação de pacientes com Covid-19 (sigla do inglês, Coronavirus Disease 2019), a doença respiratória causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2, sigla do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2). 

Atualmente, o fármaco é objeto de estudo em pelo menos 14 ensaios clínicos. 

Em meio a uma queda global da bolsa de valores, as ações da Fujifilm, fabricante do medicamento, dispararam e atingiram recordes.

O primeiro-ministro solicitou que o favipiravir seja aprovado para uso até o fim do mês se esses estudos demonstrarem eficácia – uma velocidade sem precedentes, particularmente para um medicamento conhecido por ser teratogênico.

O governo japonês prometeu distribuir amostras grátis do medicamento, com cerca de 43 países realizando requisições formais. O presidente da Fujifilm, Shigetaka Komori, é um apoiador de longa data de Shinzo, embora o gabinete do primeiro-ministro tenha negado que haja qualquer conexão entre o relacionamento deles e a promoção do favipiravir pelo governo.

“O uso do favipiravir é decidido pelos médicos e sua aprovação dependerá da avaliação médica e científica em curso”, disse a porta-voz da Fujifilm, Kana Matsumoto.

“O uso do favipiravir não tem nada a ver com a relação entre o primeiro-ministro e nenhuma empresa em particular”, disse ela.

Nocivo para fetos

O favipiravir foi desenvolvido no final dos anos 90 por uma empresa que posteriormente foi adquirida pela Fujifilm como parte de sua transição da indústria fotográfica para a farmacêutica. 

O medicamento funciona impedindo o mecanismo de reprodução de certos vírus de RNA como o Influenza.

O favipiravir tem apresentação oral, o que o tornaria mais acessível do que o rendesivir, atualmente administrado apenas por infusão venosa; no entanto, o mecanismo que tornaria o favipiravir efetivo contra os vírus também o faz destrutivo para as células fetais em rápido crescimento.

Depois de ser testado contra vários vírus, o favipiravir foi finalmente aprovado no Japão em 2014, mas apenas para uso emergencial durante a epidemia de gripe, e foi licenciado na China, onde desde então já perdeu a sua patente.

Outro medicamento que ainda não tem evidências clínicas quanto a segurança e eficácia é o mesilato de camostato. 

Desenvolvido pela Ono Pharmceutical, o camostato é um inibidor de protease que tem sido usado principalmente para tratar pancreatite e alguns tipos de câncer. 

Mas exames laboratoriais anteriores e testes feitos em animais contra o SARS-CoV-1 mostraram que o fármaco tem funções antivirais, e que pode ser administrado com segurança em doses suficientemente altas para corresponder às concentrações que foram efetivas no laboratório.

Um estudo publicado no periódico Cell em março mostrou que o camostato bloqueia uma enzima essencial para a penetração do coronavírus nos pulmões, o que chamou a atenção dos pesquisadores, dentre eles, a do Dr. Joseph Vinetz, professor na Yale School of Medicine, que está pronto para realizar um ensaio clínico sobre o camostato.

O camostato “tem um registro de 35 anos, então parece ser um medicamento muito seguro”, ele disse. “Eu diria que precisamos tentar. Sou médico e estamos desesperados por qualquer coisa que possamos dar para tratar as pessoas.”

O Dr. Joseph ainda está tentando obter financiamento para o estudo.

“Tenho 100% de certeza de que precisávamos ter começado esse estudo há um mês. E podemos ter um resultado definitivo dentro de um mês.”

A Ono Pharmaceutical lançou o camostato como um medicamento para tratar a pancreatite crônica em 1985 e a esofagite por refluxo pós-operatório em 1994. 

Agora a empresa está fornecendo o medicamento para os estudos sobre a Covid-19 no Japão e em outros países, de acordo com o porta-voz da empresa, Yukio Tani.

O Dr. Itzchak Levy, médico do Sheba Medical Center, em Israel, lançou um estudo com financiamento próprio sobre o camostato em abril.

“Até o momento recrutamos 14 pacientes e estamos em busca de mais participantes”, disse o Dr. Itzchak.

Outro estudo, em andamento na University of Kentucky, nos EUA, está testando se o camostato pode inibir a via preferencial do vírus para entrada nas células humanas, e se administrado junto com a hidroxicloroquina – o medicamento contra malária defendido por Trump – também bloquearia a porta dos fundos, aumentando a efetividade do tratamento.

A ciência por trás do mecanismo de ação do camostato e sua tolerância em pacientes “são os motivos de estarmos entusiasmados com o potencial deste medicamento”, disse o Dr. Elijah Kakani, professor assistente na universidade envolvida na pesquisa.

“No entanto, nesse momento precisamos moderar nosso entusiasmo e sermos objetivos na avaliação deste fármaco em relação ao problema que temos nas mãos.”

Por Rocky Swift e Christine Soares em Medscape

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