segunda-feira, 3 de julho de 2017

Melhor método para o transplante fecal ainda não está claro

O transplante de microbiota fecal (TMF) está em pesquisa para tratar várias condições crônicas, mas as metodologias de estudo são altamente inconsistentes, de acordo com os resultados publicado on-line em 23 de maio nos Annals of Internal Medicine.

O TMF foi estudado com maior frequência para o tratamento da infecção recorrente por Clostridium difficile mas, mesmo neste contexto, as taxas de sucesso variam de instituição para instituição, conforme relatado previamente pelo Medscape. O TMF também está em estudo para várias outras situações, incluindo doenças metabólicas, autismo e obesidade.

Para se ter uma melhor compreensão de como os estudos de TMF são publicados e quais variáveis podem ser importantes para a implementação clínica, Aïda Bafeta, do Centro de Epidemiologia, INSERM, Paris, e colaboradores, realizaram uma revisão sistemática dos detalhes metodológicos de todas as pesquisas publicadas que avaliaram o transplante de microbiota fecal. 

Eles analisaram 85 artigos identificados nos bancos Cochrane Central Register of Controlled Trials, PubMed, EMBASE e Web of Science (publicados até 31 de janeiro de 2017), bem como as referências desses estudos e meta-análises.

Aïda e colaboradores identificaram sete parâmetros que, além da condição tratada, são relevantes para o TMF:


  • elegibilidade do doador,
  • tempo entre a coleta de material fecal e o transplante,
  • tipo de diluente usado,
  • fezes frescas em relação a congeladas,
  • volume de material fecal transferido,
  • número de transferências, e
  • método de administração.


A maioria (84%) dos 85 artigos publicados utilizou TMF para tratar infecção por C. difficile ou doença inflamatória intestinal.

Uma proporção semelhante dos estudos (87%) incluiu ensaios controlados não randomizados. Os ensaios foram geralmente pequenos, com o número de participantes variando de 10 a 43 (mediana, 22).

Enquanto isso, a taxa de estudo aumentou rapidamente nos últimos anos. Antes de 2010 havia apenas três ensaios clínicos de TMF publicados, mas entre 2014 e 2017, foram publicados 65 estudos. Além disso, o site ClinicalTrials.gov lista atualmente 223 estudos.

No entanto, quando Aïda e colaboradores avaliaram a qualidade dos estudos, descobriram que apenas oito deles (9%) relataram informações sobre os sete fatores metodológicos.

Em geral, os detalhes do doador foram escassos, com informações sobre critérios de elegibilidade, características dos doadores, e relação entre doador e paciente ausente em 76 (89%) dos estudos. Apenas quatro deles (5%) incluíram o número de doadores e o número de doações por doador.

Dos 85 estudos, 83 (98%) não descreveram o método de coleta, o tempo ao longo do qual o material foi coletado, o treinamento de doadores para obter o material, ou ações como o uso de laxantes. Os passos seguintes – preparar e preservar as amostras – não estavam descritos em 82 (96%) dos estudos. Mais especificamente, detalhes sobre diluição e homogeneização ou filtração estavam ausentes em 76 (89%) dos estudos. A maioria (80%) também não distinguiu entre fezes frescas e fezes congeladas, volume de material ou quantidade de fezes usadas, nem a duração do armazenamento de fezes antes do transplante. A composição da microbiota foi analisada em 36 (42%) dos estudos.

Quanto aos pacientes, 51 (60%) dos artigos não indicam como os pacientes foram preparados, nem exatamente como o material foi transferido ou o número de procedimentos por paciente.
Alguns estudos forneceram informações sobre doadores e o que eles doaram. Dos 85 estudos, 61 usaram testes clínicos, como exames laboratoriais, exame físico e/ou histórico de saúde, para selecionar doadores, e 56 dessas pesquisas testaram fezes e sangue do doador.

Os pesquisadores analisaram mais detalhes dos subgrupos. Os 33 (57%) de 58 relatórios que coletaram informações sobre o relacionamento entre doadores e pacientes mostraram nenhuma relação entre eles. Dos 34 estudos que indicaram o período de coleta de fezes, 26 (76%) o fizeram de quatro a 12 horas antes do transplante. Em 59 estudos que relataram o tipo de fezes, 48 usaram fezes frescas (81%). Menos de 50 g de fezes foram transplantados por tentativa em 25 (45%) de 55 estudos, e de 83 estudos que publicaram rota de administração, 48 (58%) relataram por sigmoidoscopia ou colonoscopia.

Embora os autores afirmem que as muitas variações no tema transplante de microbiota fecal podem refletir a complexidade do procedimento, eles concluem: "Precisamos de estudos bem relatados para identificar os componentes metodológicos principais da TMF e para entender melhor como a intervenção funciona".

No entanto, em um editorial de acompanhamento, o Dr. Vincent B. Young, da University of Michigan, Ann Arbor, argumenta que uma razão para as lacunas metodológicas é a dificuldade de classificar o transplante de microbiota fecal como um medicamento ou um tecido para avaliação da US Food and Drug Administration (FDA).

O Dr. Young conclui que a revisão sistemática "ressalta graves deficiências na elaboração de ensaios clínicos de TMF. Sem um relato adequado de detalhes metodológicos, as comparações entre ensaios clínicos são difíceis. A descrição insuficiente dos métodos também interfere no planejamento de novos estudos. Os autores também destacam que a falta de detalhes sobre os métodos utilizados no transplante de microbiota fecal faz com que seja difícil para os clínicos implementá-lo uma vez que a eficácia clínica seja demonstrada".

Os autores e editorialistas declararam não possuir conflitos de interesses relevantes.
Ann Intern Med. Publicado on-line em 23 de maio de 2017. Resumo do artigo, Trecho do editorial

Com informações de Medscape

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