Desenvolvido
na Universidade Federal de Juiz de Fora, estudo usa moléculas de átomos de
platina, paládio e ouro para agir em células doentes sem comprometer as
saudáveis. Testes com cobaias estão prestes a começar.
Garantir
qualidade de vida aos pacientes de câncer durante o tratamento de tumores. Essa
é a proposta de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), que há quase 20 anos trabalha na busca de um processo de cura que
destrua as células doentes e afete o mínimo possível as saudáveis. A
expectativa é levar ao mercado um medicamento que combata a doença sem efeitos
colaterais, como náuseas, perda de apetite, queda de cabelo ou fraqueza. Nessa
etapa, os pesquisadores avaliam se as moléculas sintetizadas em laboratório
conseguem agir de forma segura e eficiente. Eles planejam iniciar os testes em
camundongos.
Um
dos diferenciais do estudo desenvolvido é que a equipe de pesquisadores tem
trabalhado com compostos metálicos — em especial moléculas que têm átomos de
platina, paládio ou ouro. “Essas moléculas são geralmente baseadas em outras já
com atividade conhecida, como a cisplatina (usada no tratamento do câncer há
mais de 40 anos), antibióticos, antiparasitários ou até mesmo um pequeno
fragmento das próprias moléculas. Nosso trabalho visa ao desenvolvimento de
moléculas (não disponíveis na natureza) que tenham atividade promissora contra
o câncer”, diz Heveline Silva, orientadora do grupo e professora do
Departamento de Química da universidade.
Os
cientistas pretendem desenvolver moléculas que, em vez de destruírem as
células, consigam inibir o crescimento daquelas que estão doentes. Heveline
esclarece que, atualmente, os tratamentos utilizados contra o câncer destroem
todas as células doentes, mas agem nas células normais, o que provoca os
efeitos colaterais.
Oito
alunos — de cursos de graduação, de mestrado e de doutorado — fazem parte da
pesquisa. Heveline conta que entrou no grupo em 2002 como aluna e hoje é
orientadora do estudo. Ela explica que as etapas do trabalho são concluídas
periodicamente. “No laboratório, trabalhamos a síntese dos compostos,
realizando testes em células isoladas de tumor, retiradas de algum organismo.
As etapas seguintes são os testes em camundongos e, por último, nos seres
humanos”, informa.
Mais
barato
A
pesquisadora ressalta que o medicamento em teste, além dos efeitos colaterais,
pode reduzir os custos em tratamentos contra o câncer. “O grande objetivo do
trabalho é obter informações sobre os principais grupos moleculares e as rotas
sintéticas que possam favorecer a atividade antitumoral”, acrescenta Heveline.
“Nesse sentido, variamos pequenos grupos na molécula a fim de obter uma série
de novos compostos semelhantes e identificar qual a contribuição obtida dessa
modificação estrutural”, explica.
Ao
longo dos anos, os pesquisadores testaram uma série de compostos. Desses, um —
que teve resposta mais positiva nos testes em laboratório — foi selecionado
para os testes em animais. “Trabalhamos a síntese do composto, realizando
testes em células isoladas de tumor, retiradas de algum organismo. As etapas
seguintes, que envolvem camundongos e, por último, seres humanos, são processos
que precisam da liberação de comitê de ética e necessitam de profissionais de
outras áreas. Queremos chegar a uma possível molécula que atue como
medicamento. Porém, sabemos que este é um caminho longo de muitas etapas”,
informa a orientadora.
Aprimoramento
Coordenadora
técnica e científica do Hospital do Câncer, em Divinópolis, no centro-oeste de
Minas Gerais, a médica oncologista Angélica Nogueira explica que a platina já é
usada no tratamento de câncer há algumas décadas. No entanto, ela destaca que
ainda há no mercado a necessidade de estudos que visem o aprimoramento dessas
terapias, principalmente porque os tratamentos existentes são muito tóxicos e
acabam atingindo as células saudáveis dos pacientes. “Apesar dos inúmeros
avanços da oncologia, ainda há muito espaço para melhorar o tratamento e também
a toxicidade dos medicamentos.”
Segundo
Angélica, o mais comum são os pacientes chegarem com a doença em estágio
avançado e, por isso, os resultados terapêuticos acabam não sendo tão eficazes.
Além disso, ela pontua a importância de os cientistas se debruçarem sobre os
estudos para descobrirem compostos quimicamente menos prejudiciais e que atuem
em um alvo específico. “Sendo menos tóxicos para as células saudáveis, com
certeza esses medicamentos são vistos com bons olhos, mas precisamos ficar com
os pés no chão, já que ainda existem muitas fases a serem cumpridas nessa
pesquisa”, acrescenta.
A
oncologista mineira destaca que, para chegar ao mercado, o tratamento tem que
passar por muitas fases. Esses procedimentos, segundo ela, são extremamente
importantes para que o medicamento tenha sua eficácia comprovada e não ofereça
risco à vida dos pacientes. “Todo desenvolvimento de uma molécula, em todo
mundo, passa por uma longa série de etapas. Só depois o produto pode de fato
ser comercializado. É uma questão de segurança. A pesquisa desenvolvida pela
UFJF mostra que o Brasil está produzindo ciência da maneira certa, adotando
todos os procedimentos necessários para que seja produzida uma medicação
realmente eficaz e segura. Do ponto de vista do paciente, é preciso aguardar
porque muita água pode ter que rolar até que esse estudo seja concluído”,
finaliza.
Personagem
da notícia
Fase
difícil
Receber
o diagnóstico de câncer de mama mudou a vida da advogada Maria Fernanda
Guimarães Telles, 43 anos. Durante quase dois anos, a advogada teve que
enfrentar sessões de quimioterapia e todos os efeitos colaterais do
procedimento. Os primeiros sintomas da doença começaram em 2008, quando ela
sentiu um caroço no seio esquerdo. Depois disso, o mal-estar, a queda de cabelo
e a falta de apetite passaram a fazer parte da rotina da nova paciente. “Foi
uma fase muito difícil. Não só para mim, mas para minha família. Ninguém
esquece os efeitos colaterais de uma químio. A vontade de sobreviver é tão
grande que passamos por isso só Deus sabe como”, conta. Maria Fernanda está
longe de ser a última brasileira que enfrenta os efeitos colaterais do
tratamento de tumores. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram
que, no Brasil, as estimativas para 2012 e 2013 apontam a ocorrência de
aproximadamente 518,5 mil casos da doença por ano.
Jornalista:
Simone Lima - Correio Braziliense