sábado, 29 de dezembro de 2012

Compostos metálicos no combate ao Câncer


Desenvolvido na Universidade Federal de Juiz de Fora, estudo usa moléculas de átomos de platina, paládio e ouro para agir em células doentes sem comprometer as saudáveis. Testes com cobaias estão prestes a começar.

Garantir qualidade de vida aos pacientes de câncer durante o tratamento de tumores. Essa é a proposta de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que há quase 20 anos trabalha na busca de um processo de cura que destrua as células doentes e afete o mínimo possível as saudáveis. A expectativa é levar ao mercado um medicamento que combata a doença sem efeitos colaterais, como náuseas, perda de apetite, queda de cabelo ou fraqueza. Nessa etapa, os pesquisadores avaliam se as moléculas sintetizadas em laboratório conseguem agir de forma segura e eficiente. Eles planejam iniciar os testes em camundongos.
Um dos diferenciais do estudo desenvolvido é que a equipe de pesquisadores tem trabalhado com compostos metálicos — em especial moléculas que têm átomos de platina, paládio ou ouro. “Essas moléculas são geralmente baseadas em outras já com atividade conhecida, como a cisplatina (usada no tratamento do câncer há mais de 40 anos), antibióticos, antiparasitários ou até mesmo um pequeno fragmento das próprias moléculas. Nosso trabalho visa ao desenvolvimento de moléculas (não disponíveis na natureza) que tenham atividade promissora contra o câncer”, diz Heveline Silva, orientadora do grupo e professora do Departamento de Química da universidade.
Os cientistas pretendem desenvolver moléculas que, em vez de destruírem as células, consigam inibir o crescimento daquelas que estão doentes. Heveline esclarece que, atualmente, os tratamentos utilizados contra o câncer destroem todas as células doentes, mas agem nas células normais, o que provoca os efeitos colaterais.
Oito alunos — de cursos de graduação, de mestrado e de doutorado — fazem parte da pesquisa. Heveline conta que entrou no grupo em 2002 como aluna e hoje é orientadora do estudo. Ela explica que as etapas do trabalho são concluídas periodicamente. “No laboratório, trabalhamos a síntese dos compostos, realizando testes em células isoladas de tumor, retiradas de algum organismo. As etapas seguintes são os testes em camundongos e, por último, nos seres humanos”, informa.

Mais barato
A pesquisadora ressalta que o medicamento em teste, além dos efeitos colaterais, pode reduzir os custos em tratamentos contra o câncer. “O grande objetivo do trabalho é obter informações sobre os principais grupos moleculares e as rotas sintéticas que possam favorecer a atividade antitumoral”, acrescenta Heveline. “Nesse sentido, variamos pequenos grupos na molécula a fim de obter uma série de novos compostos semelhantes e identificar qual a contribuição obtida dessa modificação estrutural”, explica.
Ao longo dos anos, os pesquisadores testaram uma série de compostos. Desses, um — que teve resposta mais positiva nos testes em laboratório — foi selecionado para os testes em animais. “Trabalhamos a síntese do composto, realizando testes em células isoladas de tumor, retiradas de algum organismo. As etapas seguintes, que envolvem camundongos e, por último, seres humanos, são processos que precisam da liberação de comitê de ética e necessitam de profissionais de outras áreas. Queremos chegar a uma possível molécula que atue como medicamento. Porém, sabemos que este é um caminho longo de muitas etapas”, informa a orientadora.

Aprimoramento
Coordenadora técnica e científica do Hospital do Câncer, em Divinópolis, no centro-oeste de Minas Gerais, a médica oncologista Angélica Nogueira explica que a platina já é usada no tratamento de câncer há algumas décadas. No entanto, ela destaca que ainda há no mercado a necessidade de estudos que visem o aprimoramento dessas terapias, principalmente porque os tratamentos existentes são muito tóxicos e acabam atingindo as células saudáveis dos pacientes. “Apesar dos inúmeros avanços da oncologia, ainda há muito espaço para melhorar o tratamento e também a toxicidade dos medicamentos.”
Segundo Angélica, o mais comum são os pacientes chegarem com a doença em estágio avançado e, por isso, os resultados terapêuticos acabam não sendo tão eficazes. Além disso, ela pontua a importância de os cientistas se debruçarem sobre os estudos para descobrirem compostos quimicamente menos prejudiciais e que atuem em um alvo específico. “Sendo menos tóxicos para as células saudáveis, com certeza esses medicamentos são vistos com bons olhos, mas precisamos ficar com os pés no chão, já que ainda existem muitas fases a serem cumpridas nessa pesquisa”, acrescenta.
A oncologista mineira destaca que, para chegar ao mercado, o tratamento tem que passar por muitas fases. Esses procedimentos, segundo ela, são extremamente importantes para que o medicamento tenha sua eficácia comprovada e não ofereça risco à vida dos pacientes. “Todo desenvolvimento de uma molécula, em todo mundo, passa por uma longa série de etapas. Só depois o produto pode de fato ser comercializado. É uma questão de segurança. A pesquisa desenvolvida pela UFJF mostra que o Brasil está produzindo ciência da maneira certa, adotando todos os procedimentos necessários para que seja produzida uma medicação realmente eficaz e segura. Do ponto de vista do paciente, é preciso aguardar porque muita água pode ter que rolar até que esse estudo seja concluído”, finaliza.

Personagem da notícia
Fase difícil
Receber o diagnóstico de câncer de mama mudou a vida da advogada Maria Fernanda Guimarães Telles, 43 anos. Durante quase dois anos, a advogada teve que enfrentar sessões de quimioterapia e todos os efeitos colaterais do procedimento. Os primeiros sintomas da doença começaram em 2008, quando ela sentiu um caroço no seio esquerdo. Depois disso, o mal-estar, a queda de cabelo e a falta de apetite passaram a fazer parte da rotina da nova paciente. “Foi uma fase muito difícil. Não só para mim, mas para minha família. Ninguém esquece os efeitos colaterais de uma químio. A vontade de sobreviver é tão grande que passamos por isso só Deus sabe como”, conta. Maria Fernanda está longe de ser a última brasileira que enfrenta os efeitos colaterais do tratamento de tumores. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram que, no Brasil, as estimativas para 2012 e 2013 apontam a ocorrência de aproximadamente 518,5 mil casos da doença por ano.

Jornalista: Simone Lima - Correio Braziliense