Há muito
tempo os pesquisadores sabem que o câncer é uma doença genética, ou seja,
resultado de um acúmulo de alterações no genoma causadas ao longo da vida pelo
envelhecimento, por fatores hereditários ou por agentes externos como radiação
e tabaco.
Somente
nos últimos anos, porém, graças à evolução e ao barateamento das metodologias
de sequenciamento e de análise do perfil de expressão dos genes, os cientistas
estão conseguindo desvendar as alterações específicas por trás de cada tumor.
De posse
dessas informações, os médicos podem prever, por exemplo, o grau de
agressividade do tumor, sua capacidade de se disseminar para outros órgãos e
sua sensibilidade a determinados tipos de drogas – o que permite planejar novas
estratégicas terapêuticas de forma personalizada.
O tema
foi abordado por Rogelio González-Sarmiento, do Centro de Pesquisa em Câncer da
Universidade de Salamanca (Usal), no dia 11 de dezembro, durante o evento “Fronteras de la Ciencia – Brasil y
España en los 50 años de la FAPESP.
O
simpósio integra as comemorações dos 50 anos da FAPESP e reúne, nas cidades de
Salamanca (10 a 12/12) e Madri (13 e 14/12), pesquisadores do Estado de São
Paulo e de diferentes instituições de ensino e pesquisa do país ibérico, em uma
programação intensa, diversificada e aberta ao público.
“As
técnicas de sequenciamento de nova geração têm permitido aos pesquisadores, em
laboratórios, redefinir as classificações dos tumores com base em critérios
moleculares. Essa mudança de paradigma está modificando a estratégia
terapêutica dos oncologistas”, disse Sarmiento.
Além das
alterações genéticas propriamente ditas – que são aquelas em que ocorre
modificação na sequência do DNA, como as mutações pontuais, deleções, inserções
e os rearranjos cromossômicos –, as alterações epigenéticas também podem ser
causa de câncer, de acordo com Manel Esteller, diretor do Programa de
Epigenética do Instituto de Investigação Biomédica de Bellvitge, em Barcelona.
“Podemos
imaginar que o genoma é o hardware de nosso computador e a epigenética é o
software que faz esse hardware funcionar”, disse Esteller.
Por essa
razão, acrescentou o pesquisador, gêmeos idênticos podem desenvolver doenças
diferentes, apesar de compartilharem o mesmo DNA. “Eles têm o mesmo hardware,
mas diferentes softwares. São alterações químicas que regulam a expressão dos
genes”, disse.
Entre as
alterações químicas conhecidas, a mais importante é a metilação do DNA, reação
que envolve a adição de um grupo metil (CH3) a determinadas partes do DNA e
muda o padrão de expressão dos genes.
“É um
processo fisiológico de regulação dos genes. Por exemplo, as células do nosso
cérebro têm o mesmo DNA que as células do nosso coração, mas têm diferentes
funções. Em boa medida, isso ocorre graças à metilação do DNA. O que acontece
no câncer é que existe uma mudança global na metilação do DNA e isso cria um
software corrompido”, explicou Esteller.
As causas
das alterações epigenéticas são, segundo o pesquisador, muito parecidas com
aquelas responsáveis pelas modificações na sequência do DNA. Entre elas uma das
mais importantes é o envelhecimento.
“É
possível medir a idade biológica de uma pessoa ao analisar o perfil de metilação
de DNA. Ao longo da vida passamos por experiências que mudam nossas células. O
processo de metilação do DNA diminui e isso deixa os cromossomos mais frágeis e
mais fáceis de serem corrompidos”, disse Esteller.
Apenas
alguns poucos genes – e justamente aqueles responsáveis por nos proteger contra
o câncer – passam a sofrer mais metilação devido ao envelhecimento e têm sua
expressão bloqueada. “Nos países desenvolvidos, a idade é hoje o maior fator de
risco para o câncer”, disse.
Por Karina Toledo, de Salamanca - Agência FAPESP