Novas pesquisas apontam os probióticos
como a grande promessa da medicina para o futuro.
No final de março, foi realizado na
cidade de Evian, na França, o primeiro GUT Microbiota for Health, congresso
mundial dedicado ao estudo da flora intestinal (ou microbiota) e da saúde do
intestino. O evento é resultado do crescente número de pesquisas sobre a
relação entre o órgão, chamado pelos médicos de "segundo cérebro", e
o bem-estar do organismo. "O intestino tem mais terminações nervosas do
que o próprio cérebro. Além disso, o genoma da microbiota apresenta mais genes
do que o do corpo humano inteiro, é muito complexo", explica Flávio
Quilici, professor titular de gastroenterologia e cirurgia digestiva da
PUC-Campinas, em São Paulo, e presidente eleito da Sociedade Paulista de
Gastroenterologia. Tanta atenção ao trato intestinal colocou sob os holofotes
as superpoderosas bactérias que formam a flora intestinal: os probióticos.
Esses micro-organismos aparecem em pesquisas sobre temas tão diversos quanto
perda de peso, diminuição dos efeitos do HIV e até mesmo cura do câncer.
No intestino, eles se conectam uns aos
outros, formando uma barreira que ajuda na absorção de nutrientes e no reforço
do sistema imunológico, já que o órgão abriga cerca de 80% das células de
defesa do corpo, experts em reconhecer e agir diante das bactérias. "Se
forem do tipo benignas, caso dos probióticos. as células de defesa vão
identificá-las e não ativarão a resposta agressiva para eliminá-las,
diferentemente do que acontece diante de uma salmonela", exemplifica a
cirurgiã do aparelho digestivo Lúcia Oliveira, chefe do serviço de fisiologia
anorretal da Policlínica Geral do Rio de Janeiro (PGRJ).
A ORIGEM
O primeiro registro científico que se
tem dos probióticos é de 1908, quando o médico russo Ilya Mechnikov estudou uma
população longeva que consumia diariamente grandes quantidades de leite
fermentado - ele acreditava que esse era o segredo para os anos a mais de vida.
Com o trabalho, ganhou o Premio Nobel de Medicina. Mas, somente em 2002, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou os probióticos como organismos
vivos que têm ação benéfica no corpo.
"Nosso corpo depende de 1
quatrilhão de bactérias para funcionar. Metade é do bem e o restante faz mal. É
um equilíbrio delicado, que começa assim que você nasce", diz Flávio
Quilici. Segundo ele, o bebe, durante um parto normal, entra em contato com as
bactérias boas da mãe e começa a construir a microbiota. Na cesárea, a criança
não adquire esses micro-organismos. Portanto, a construção da microbiota
acontece de maneira mais lenta, deixando o sistema imunológico enfraquecido.
Apesar de essas bactérias se
reproduzirem constantemente, fatores como falta de sono, alimentação ruim,
stress e até consumo de antibióticos representam uma ameaça ao poder da
microbiota. Por isso, recomenda-se, inclusive para quem não está doente,
ingerir com frequência alimentos e cápsulas que contenham probióticos.
QUEM É QUEM?
Existem milhões de tipos de
probióticos e cada um deles tem uma ação específica. "Os mais comuns de
encontrar nos alimentos industrializados são os lactobacilos, que equilibram a
flora intestinal, favorecendo a imunidade e melhorando a absorção dos
nutrientes; e as bifidobactérias, que regulam o tempo do trânsito intestinal
nos casos de intestino preguiçoso ou diarreia", esclarece o
gastroenterologista Jorge Carvalho Guedes, professor da Universidade Federal da
Bahia (UFBA).
Além dessas funções, os probióticos
estão sendo usados em tratamentos de doenças como síndrome do intestino
irritável e até infecções respiratórias virais. Como são organismos vivos,
devem ser repostos regularmente. Ainda não há consenso sobre a quantidade
certa, mas os especialistas indicam o consumo diário de 10 unidades formadoras
de colônia (UFCs), o que, segundo a nutricionista Elaine de Pádua, da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pode ser encontrado em um pote de
iogurte, um frasco de leite fermentado, uma fatia média de queijo pro-biótico,
uma cápsula ou um sache de probiótico em pó misturado à bebida, conforme
orientação do fabricante. "Para quem tem problemas específicos, como
prisão de ventre, é preciso consumi-lo durante um período que pode variar de
sete dias a meses, para que a flora intestinal mude e surjam os
benefícios", avisa Flávio Quilici.
Para a nutricionista e secretária
geral da Associação Brasileira de Nutrição Esportiva Vanderlí Marchiori, de São
Paulo, os micro-organismos podem ajudar no processo de emagrecimento de duas maneiras.
"Reguladores de saciedade são liberados no intestino quando ele está
saudável, então, quanto melhor estiver a microbiota, menos fome você
sentirá", afirma. Além disso, ao absorver vitaminas e minerais em
quantidades adequadas, você evita a fome oculta, que ocorre quando o organismo
sinaliza a falta desses nutrientes e incentiva a comilança.
PROMESSAS
Em novembro do ano passado, a
pesquisadora Michelle Cronin, da Universidade de Cork, na Irlanda, recebeu
autorização para iniciar uma pesquisa em busca da cura do câncer com a ajuda
dos probióticos. Em parceria com o biólogo John Bell, do Hospital e Instituto
de Pesquisa de Ottawa, no Canadá, ela quer injetar probióticos no tumor,
formando, assim, um ambiente seguro para a instalação de um vírus que seria
capaz de destruir as células cancerígenas. A teoria é de que os probióticos
liberariam uma proteína que prolongaria a vida do vírus e evitaria que ele
fosse expelido pelo organismo. Se der certo, a pesquisa pode significar a
redução nos casos de morte em consequência dos cânceres de mama, ovário,
próstata e esôfago, que, devido à sua estrutura, apresentam situações
favoráveis para a realização do procedimento. Ainda não há previsão para o
trabalho ser concluído.
Na mesma universidade irlandesa, a
pesquisadora Catherine Stanton e sua equipe apresentaram em janeiro do ano
passado um estudo, publicado na revista Microbiology, que mostra que a
modificação genética de probióticos pode alterar o metabolismo do corpo e
diminuir a absorção de gordura. Isso ajudaria na prevenção da obesidade em
pessoas com propensão genética à doença. No entanto, eles ainda não foram
usados oficialmente para essa finalidade.
A manutenção da microbiota saudável
ajudaria também no controle da diabetes, já que, segundo pesquisa da Universidade
de Copenhague, na Dinamarca, publicada em 2010 no periódico PIxiS ONE, quem
sofre da doença possui menos bactérias do bem no intestino - o que teria
relação direta com o transporte e a absorção da glicose no sangue. Outro ponto:
quando a flora intestinal está saudável, o organismo recebe menos endotoxina
(um dos componentes da parede celular dos probióticos que é liberado para a
corrente sanguínea toda vez que a bactéria se rompe). "Isso iria controlar
a utilização e os níveis de glicose pelo corpo", explica o
endocrinologista Alfredo Halpem, de São Paulo.
CORAÇÃO E AIDS
Na Faculdade de Medicina de Wisconsin
nos Estados Unidos, o bioquímico John Baker descobriu que a integridade da
microbiota também pode diminuir a agressividade de infartos e acelerar a
recuperação de pessoas que sofrem com doenças do coração.
No caso da aids, diversos estudos já
comprovaram que o vírus concentra-se, em grande parte, no intestino. Ao se
romper, a camada de proteção formada por probióticos abre espaço para a entrada
de células contaminadas na corrente sanguínea. Assim, cai a imunidade do
portador e a doença progride, aumentando os sintomas colaterais. Essa é uma das
teorias discutidas no GUT Microbiota for Health, mas ainda não foram iniciadas
as pesquisas. Para o infectologista Artur Timerman, do Hospital Albert
Einstein, em São Paulo, o consumo frequente de probióticos e o fortalecimento
da microbiota poderiam, no futuro, significar a contenção do vírus, evitando
que ele se espalhasse e infectasse o organismo. "Na teoria, é possível,
mas ainda precisamos de muitas pesquisas que comprovem a eficácia."
Fonte: Revista Cláudia