A aposentada Rosana Cella, 42 anos, descobriu em 2004 que tinha câncer de mama. Fez cirurgia, quimioterapia e radioterapia, mas, em 2008, a doença voltou e as células danificadas começaram a ir para outras partes do organismo. Após tomar uma série de medicamentos para controlar o problema, Rosana soube, em outubro de 2010, de um remédio chamado bevacizumabe, que, associado à substância paclitaxel — um inibidor de divisão celular —, poderia trazer bons resultados para seu tratamento. Como o produto reduz o processo de cicatrização de feridas, ela precisou suspender seu uso quatro meses após adotá-lo, a fim de se recuperar de uma queimadura. Em agosto deste ano, o médico dela lhe indicou que voltasse a usar o medicamento, mas a decisão, divulgada dois meses antes, de um painel de especialistas ligados à agência norte-americana reguladora de medicamentos (Food and Drugs Administration — FDA) de retirar a liberação do uso do bevacizumabe para tratar de câncer de mama a assustou. Em 18 de novembro, a FDA acatou a determinação dos especialistas.
“Meu marido, que está sempre pesquisando na internet sobre o assunto, questionou o meu oncologista sobre o tratamento, devido à resolução da FDA”, explica Rosana. “Só que o doutor nos tranquilizou. Ele disse que a medida valia apenas para os Estados Unidos e que estudos revelavam que havia respostas muito boas entre os pacientes. Como eu já tinha usado o remédio anteriormente e não tinha sofrido efeitos colaterais, eu e meu marido concordamos em eu retomar o tratamento”, detalha. O médico que lhe indicou usar o avastin, nome comercial do bevacizumabe, é Antonio Carlos Buzaid, chefe do Centro de Oncologia do Hospital São José, de São Paulo. Para o oncologista, “o FDA errou em retirar a aprovação do medicamento”.
Buzaid assegura que pesquisas mostram que, quando a droga é usada em combinação com o paclitaxel, a resposta de redução do tumor é duas vezes maior que se o remédio quimioterápico for usado sozinho. “O órgão norte-americano se baseou na análise de três estudos distintos e tentou fazer uma conclusão única, de que os efeitos colaterais superam seus aspectos benéficos aos pacientes. Ter uma postura generalizada, em vez de humanizar os dados obtidos, foi um equívoco por parte deles. O benefício do medicamento é tamanho que a Europa o mantém na lista dos usados para tratar câncer de mama metastático”, afirma o médico. Ele acrescenta que o National Comprehensive Cancer Network (NCCN), grupo que reúne profissionais de 21 centros de câncer ao redor do mundo, manteve a diretriz de usar o bevacizumabe com um quimioterápico para bloquear o crescimento de células de câncer.
EFEITOS ADMINISTRÁVEIS
O especialista em tumores sólidos Gustavo Ribas, oncologista do Grupo Acreditar, conta que já usou o medicamento em duas pacientes. O composto químico bloqueia a proliferação de vasos sanguíneos que alimentam o tumor, fazendo com que suas células não se multipliquem. “De maneira geral, esse controle é adequado, o remédio é bem tolerado e os efeitos colaterais, administráveis”, conta Ribas. “Entre as reações adversas mais comuns, estão hipertensão e sangramento. Por isso, o remédio não é indicado para quem já tem quadros de pressão alta”, destaca o oncologista. “Outros problemas são perfuração intestinal e dificuldade de cicatrização de feridas operatórias. Felizmente, são casos mais raros.” Ele acrescenta que o bevacizumabe é indicado também para tratar câncer metastático do cólon, de mama, dos ovários, do sistema nervoso e dos rins.
Por sua vez, o especialista em câncer de mama João Nunes, oncologista do Centro de Câncer de Brasília (Cettro), pondera que não vale a pena usar esse medicamento normalmente. “É necessário fazer uma avaliação criteriosa do paciente para saber se a indicação pode ser ou não eficiente, mas só ao longo do processo se vê o perfil de resposta. Há pacientes que, com um ou dois ciclos de aplicação, têm taxas de reação excepcionais e com efeitos colaterais mínimos. Outros já não conseguem obter uma resposta tão boa do organismo”, ressalta. “O câncer de mama metastático tem diversas linhas de tratamento que podem ser usadas no lugar do bevacizumabe, mas cabe alertar que o medicamento só tem taxa de resposta baixa quando usado sozinho, sem estar associado à quimioterapia”, adverte. Nunes tem uma opinião moderada sobre a decisão da FDA. “Os riscos, segundo a agência, superam os benefícios, mas não é isso que se observa do ponto de vista global”, comenta.
SITUAÇÃO BRASILEIRA
O remédio continua com a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser usado no Brasil. A Anvisa, após a determinação da FDA, apenas pretende monitorar com mais intensidade as reações dos pacientes ao medicamento. Em 22 de dezembro de 2010, o órgão brasileiro já havia pedido ao fabricante do produto — o laboratório de produtos farmacêuticos Roche — que alterasse, na bula do bevacizumabe, o trecho em que cita que ele pode ser usado contra o câncer de mama metastático.
“As alterações determinadas pela Anvisa farão com que as bulas passem a indicar que a administração do avastin (nome comercial) em pacientes com câncer de mama e metástase deve ser associada ao antineoplásico paclitaxel, da família dos taxanos, que são quimioterápicos que impedem o crescimento celular por meio do bloqueio da divisão das células”, descreve a agência brasileira, em comunicado. “Ao mesmo tempo, ainda de acordo com a reformulação da bula, a empresa deverá informar que o Avastin não deve ser prescrito em associação a outro taxano, o docetaxe”, complementa. O pedido da Anvisa está alinhado ao posicionamento da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
A POSIÇÃO DO FABRICANTE
Em nota, o laboratório Roche reitera que o produto “continua como uma alternativa válida para médicos e pacientes que lutam contra o câncer de mama metastático”. E prossegue: “O grupo reafirma a eficácia e o perfil de segurança do medicamento”. A empresa alega que o uso da droga, combinada com quimioterapia, é aprovado no Brasil, no Japão, nas nações da União Europeia e em outros 80 países. A companhia sustenta que a decisão da FDA “não regulamenta a prática da medicina” e deixa para os médicos, baseados em suas práticas clínicas, a decisão de oferecer o bevacizumabe aos pacientes. O laboratório acrescenta que o Medicare, parte do sistema de saúde norte-americano, optou por manter a cobertura do produto.
Por: Thais de Luna