Pesquisadores descobrem que a infecção pelo parasita da doença previne
uma piora no caso de outras picadas
Há cerca de 50 anos, acreditava-se
ser possível erradicar a malária do planeta. A solução parecia simples:
eliminar o mosquito transmissor e tratar os infectados. Porém, a Organização
das Nações Unidas (ONU) alerta que, atualmente, mais de 780 mil pessoas – a
maioria crianças – morrem por ano em consequência da doença. Um estudo
publicado na Nature
Medicine, liderado pela bióloga Maria Mota,
do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, Portugal, pode ajudar a diminuir
essa mortalidade. O grupo descobriu que a infecção pelo parasita da malária
previne a ocorrência de uma segunda infecção por outro parasita da doença,
devido à restrição de ferro no fígado do organismo da pessoa contagiada. Assim,
a primeira infecção impede que outras ocorram no indivíduo ao mesmo tempo, ou
seja, evita uma “superinfecção”.
A malária é causada por
protozoários do gênero Plasmodium transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles. A doença é típica de países tropicais onde as
populações são carentes economicamente e quase não dispõem de sistemas de
saúde. É o caso da África Subsaariana, região com alto índice de ocorrência da
malária onde é comum governo e grupos assistenciais oferecerem às crianças
suplementos alimentares para combater outros problemas como a desnutrição e a
anemia. O grupo luso-brasileiro mostrou que esse suplemento, que deveria fortalecer
a saúde, na realidade prejudica as crianças que foram infectadas várias vezes
seguidas pela malária. Estas que recebiam ferro como suplemento alimentar
apresentavam mais casos de “superinfecção” pela doença, um detalhe que
intrigava os médicos e os cientistas até a pesquisa atual solucionar esse
quebra-cabeça.
Utilizando camundongos, o grupo
entendeu a forma como os parasitas da malária se desenvolvem nas células do
fígado (hepatócitos) e nos glóbulos vermelhos. Após a picada do mosquito
infectado, os parasitas migram para o fígado do indivíduo onde se multiplicam
(fase hepática e assintomática da infecção). Em seguida, invadem os glóbulos
vermelhos (fase sanguínea e sintomática). Em ambas as fases, os parasitas
necessitam de ferro para se desenvolver e os da primeira infecção, já presentes
nos glóbulos vermelhos, sequestram o ferro na circulação sanguínea impedindo
que a substância seja abundante no fígado. Com isso, os parasitas da segunda
picada, no fígado, têm menos ferro disponível e não conseguem se multiplicar.
Como consequência, a segunda infecção é incompleta. Em outras palavras, o risco
de a pessoa apresentar uma superinfecção é menor graças à primeira infecção.
“O trabalho é importante por
ser um dos raros que aborda a fase hepática e sanguínea ao mesmo tempo,
simulando uma situação de áreas endêmicas”, explica a veterinária Sabrina
Epiphanio, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), que colaborou com o estudo. Geralmente, os pesquisadores
estudam separadamente cada fase da infecção por malária. Porém, quem vive em
locais onde a doença ocorre é constantemente picado e contaminado por vários
parasitas ao mesmo tempo.
“Este é o momento de reverem os
programas destinados às crianças das áreas endêmicas”, alerta a veterinária. De
acordo com a Sabrina, o ferro é o principal elemento usado para suplementação
mineral, o que favorece a fase hepática da segunda infecção. “Se a criança
estiver com anemia e ingerindo ferro, contrair malária poderá piorar seu estado
de saúde”, afirma Sabrina. Há nove anos estudando a doença, o próximo passo da
pesquisadora é identificar fatores que antecipem quando uma pessoa, com
malária, terá a síndrome respiratória aguda. “Apesar da incidência baixa, ela é
altamente relevante porque 70% dos que adquirem morrem”, lembra.
Por Isis Nóbile Diniz