terça-feira, 30 de agosto de 2011

Os riscos de ganhar peso para fazer a cirurgia de redução do estômago


Belo Horizonte — A dieta consistia em comer de duas em duas horas, mas, em vez de um pão integral ou de uma fruta, a comunicóloga Josiane Ferreira, 31 anos, se entupia de calorias. No lugar de uma fatia de pizza, comia oito. Um copo de refrigerante não bastava: era necessário um litro. Sanduíches e massas passaram a ser ingeridos até o estômago aguentar. Tudo isso porque Josiane, que pesava 115kg e tem 1,65m de altura, decidiu se tornar obesa mórbida para ter o índice de massa corpórea — o IMC, que é o peso dividido pela altura ao quadrado — de 40kg/m², como exigia seu plano de saúde para cobrir a cirurgia bariátrica (de redução do estômago).            

“Em um mês, engordei 10kg. Era um sonho. Comia com vontade tudo o que via pela frente”, conta a comunicóloga. Assim como ela, muitas pessoas — na maioria dos casos, mulheres jovens — têm enfrentado uma corrida desenfreada para ganhar quilos e mais quilos e, com isso, alcançar o IMC que as qualifique para a cirurgia de redução de estômago, feita pelo convênio médico ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para especialistas, o método, não recomendado, é uma tragédia anunciada.           

Para aumentar a preocupação, nos próximos dias a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) bate o martelo sobre a venda de inibidores de apetite no país. Se a agência optar pela proibição e os remédios forem retirados do mercado, cirurgiões e endocrinologistas temem que a operação se torne a primeira opção de quem quer perder peso mais rapidamente e o método de “engordar para emagrecer” se transforme em uma epidemia entre os brasileiros.

O Brasil só perde em operações bariátricas para os Estados Unidos, que têm o maior volume de gordos no planeta — lá, 150 mil entraram “na faca” no ano passado. Por aqui, 60 mil brasileiros diminuíram o estômago no mesmo período. Na Itália, em terceiro lugar, foram 5 mil.     

Manobra perigosa
 


Por que, afinal, uma pessoa que já está obesa e quer emagrecer come para engordar? Trata-se de uma manobra para reduzir o estômago sem ter que pagar um procedimento particular, que pode custar até R$ 25 mil, ou mesmo se esforçar barbaramente com exercícios físicos e reeducação alimentar. Os convênios e o SUS só cobrem a intervenção se o paciente tiver o IMC recomendado pela Federação Internacional para Cirurgia da Obesidade (IFSO) e adotado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que definiu as regras: a cirurgia é indicada para pacientes com obesidade mórbida (IMC a partir de 40kg/m²) e obesos (IMC entre 35kg/m² e 39kg/m²) que sofrem de doenças relacionadas à própria obesidade, como diabetes e hipertensão. Também há a determinação de que os “candidatos” realizem, no mínimo, dois anos de tratamento para emagrecer, com uso de remédios e acompanhamento médico. Apenas quando tudo isso falhar deve-se partir para o recurso mais radical.

Sem os emagrecedores no mercado, o diretor clínico do Instituto Mineiro de Endocrinologia, Geraldo Santana, teme o pânico entre aqueles que precisam do remédio. “O risco de muitos começarem a engordar para enfrentar o bisturi é grande. Muitas pessoas não aceitam estar acima do peso”, comenta, avaliando que aqueles que optam por ganhar os quilinhos não passam pelos consultórios dos endocrinologistas. “Se essa forma de comer sem parar já ocorre com a venda de inibidores e sem ajuda médica, imagine o que não vai acontecer sem eles? É perigoso demais. Por isso, a Anvisa não deve proibir, deveria fiscalizar a comercialização dos medicamentos”, alega.   

O receio é o mesmo de Galzuinda Figueiredo Rei, titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (Sbcbm) e responsável técnica de cirurgia bariátrica da Santa Casa de Belo Horizonte. De acordo com ela, estimam-se que haja milhões de obesos mórbidos no país para os quais a cirurgia têm indicação. Sua maior preocupação é de que não há no país uma política pública nacional de combate à obesidade. “Não existe uma cultura para estimular o emagrecimento saudável. Faltam campanhas. A cirurgia deveria ser o último recurso, e não a primeira opção”, diz. Ela aposta que, na saúde suplementar, a tendência de ganhar peso é maior. “No SUS, há filas imensas de pessoas que aguardam a cirurgia, por isso, não acredito que quem quer emagrecer por estética vá enfrentar essa espera.”        

Desafio psicológico      


A psicóloga familiar sistêmica Cláudia Prates, que faz avaliações em pacientes prestes a se submeterem a operações de estômago, diz que aquele que engorda para emagrecer come pensando que não será responsável pela conquista de peso, o que acaba sendo prazeroso. “É um álibi para o próprio descontrole. Conheço muitas pessoas que se mantêm magras por medicamentos e, se eles forem proibidos, tenho certeza de que vão recorrer à cirurgia”, opina.      

Há, entretanto, quem defenda que, independentemente da decisão da Anvisa, o método de adquirir mais peso para se submeter à operação não se altera. De acordo com o professor de clínica e endocrinologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Davidson Pires de Lima, a prática ocorre independentemente da liberação ou não de medicamentos. “É uma busca dos jovens por uma solução mágica. O inibidor não faz emagrecer por si só; tem que ter atividade física e boa alimentação. O que é necessário é haver uma mudança de comportamento.”        

"A cirurgia foi boa para mim"    


Aos 23 anos, Josiane, hoje com 31, fez a cirurgia, depois de engordar 10kg. Ela jura que não foi por vaidade que, aos 23 anos, teve que engordar 10kg para enfrentar o bisturi. “Como meus exames de colesterol e glicose já estavam alterados, o médico me recomendou engordar para alcançar o ICM e passar pela cirurgia paga pelo convênio. Comia sem remorso. Antes, já tinha feito todas as dietas possíveis para emagrecer e nada adiantava. Bastava relaxar que engordava três vezes mais. A cirurgia foi boa para mim”, diz, apostando que, sem os remédios, muitas pessoas vão seguir seus passos. “Vai aumentar a busca pela operação. É um meio muito rápido de emagrecer. Hoje em dia, ninguém quer fazer esforços. O pós-operatório, porém, não é fácil. Fiquei três meses sem comer sólidos”, conta.

Por Luciane Evans