segunda-feira, 27 de abril de 2020

O sistema renina-angiotensina-aldosterona versus a infecção pelo coronavírus 2019

O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) regula funções essenciais do organismo, como a manutenção da pressão arterial, balanço hídrico e de sódio. 

A lógica fundamental que preside o funcionamento do sistema é responder a uma instabilidade hemodinâmica e evitar a redução na perfusão tecidual sistêmica. 

Atua de modo a reverter a tendência à hipotensão arterial através da indução de vasoconstricção arteriolar periférica e aumento na volemia por meio de retenção renal de sódio (através da aldosterona) e água (através da liberação de ADH-vasopressina).

A renina é liberada pelos rins, enquanto que a enzima conversora de angiotensina (ECA) é encontrada no endotélio vascular em vários órgãos. 

Uma vez ativada a cascata, surgem a angiotensina I (AI) e a angiotensina II (AII), que circulam pelo sangue e se ligam em receptores específicos ATI e ATII, regulando funções em órgãos-alvos.

Receptores de ATII estão presentes universalmente na árvore arterial e produzem acentuada contração em segmentos isolados de todos os leitos arteriais. 

Além do efeito vasoconstritor extensivamente demonstrado in vitro e in vivo, ATII exerce importantes efeitos tróficos sobre a parede arterial. 

A participação desse sistema no fenômeno de redução luminal da hipertensão essencial instalada tem sido demonstrado pela inibição farmacológica da enzima conversora ou do antagonismo dos receptores AT1. 

Todos os componentes do SRAA estão presentes no endotélio e na parede arterial e a formação de Ang II, no vaso, está solidamente documentada.

Está claro que à hiperatividade desse sistema, contribuiu expressivamente na fisiopatologia da hipertensão arterial e em outras patologias cardiovasculares. 

Os fármacos conhecidos como inibidores da ECA – o Dr Sergio Henrique Ferreira de Ribeirão Preto-SP foi pioneiro ao descrever o Fator Potencializador da Bradicinina, sendo assim, o precursor deste grupo de drogas – realizam bloqueio reversível da enzima conversora de angiotensina, reduzindo a formação de AII. 

Sabe-se que a AII é um potente peptídeo vasoconstritor e estimulante da secreção adrenal de aldosterona. 

O bloqueio da ECA promove, diretamente, um efeito hipotensor causado pela inibição dos efeitos vasoconstritores e estimulantes da secreção de aldosterona e, indiretamente, previnem doença isquêmica cardíaca, doença aterosclerótica, nefropatia diabética e hipertrofia ventricular esquerda.

Gonsalez e col. (2018) numa elegante revisão demonstra que “é possível postular que a relação ECA/ECA2 é a pedra angular das ações mediadas por Na+ levando à ativação local ampliada de AII e AT1R. 

Independentemente da origem dos componentes do SRAA (hormonal ou local), a maioria da AII no coração é produzida in situ, especialmente em condições patológicas, como o infarto do miocárdio e a insuficiência cardíaca, devido à expressão e atividade aumentadas da ECA.”

A figura no topo da postagem (reproduzido de Silvia e col) simplifica didaticamente o SRRA e suas relações nos níveis da ECA 1 e 2. 

Importante lembrar que a produção da angiotensina II pela ECA1 é danosa ao se ligar no receptor AT1 já que este estimula produção de aldosterona gerando vasoconstricção, reabsorção tubular, sede, atividade simpática, elevação da contratilidade e cronotropismo, além de estimular o crescimento e proliferação celular. 

Por outro lado, o receptor AT2 tem efeito antiproliferativo, vasodilatador e de apoptose. Ele também ativa a produção de óxido nítrico.

Assim como, a produção de AT1-7 pela ECA2 traduz em efeitos benéficos como antiproliferativo e anti-hipertensivo.

Como bem expressa Ribeiro & Florêncio (2000), “existem diferenças teóricas entre os inibidores da ECA e do BRAII em suas ações no SRAA. 

Os inibidores da ECA previnem a formação de AII, entretanto sua ação não é completa. 

Os níveis circulantes de AII voltam a se elevar em pacientes com uso continuado de inibidores da ECA por meio da formação de AII por vias alternativas, pois a ECA é somente uma das várias enzimas que podem ter ação proteolítica convertendo AI em AII. 

Além disso, o efeito dos inibidores da AII não se dá somente pelo bloqueio da formação de AII, mas pelo aumento da concentração de bradicinina. 

Esta, facilita a formação de óxido nítrico e prostaglandinas vasodilatadoras.”

O que isto tudo tem haver com o coronavírus?

Conforme próprio posicionamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia baseando-se nas publicações principalmente da experiência oriunda da China, sabemos que a infecção pelo novo coronavírus acomete o sistema cardiovascular em um número considerável de casos, sendo as principais manifestações e sua prevalência as seguintes abaixo:

Arritmias (16%);
Isquemia miocárdica (10%);
Miocardite (7,2%);
Choque (1-2%).

Além disto, os portadores de doença cardiovascular apresentam a maior mortalidade conhecida pelo novo coronavírus, chegando a 10.5%. 

Em vistas ao conhecimento do envolvimento da ECA-2 na fisiopatologia da infecção pelo coronavírus, especula-se que a modulação dessa via poderia ser uma alternativa a ser explorada no manejo desses pacientes. 

A utilização de fármacos como os iECA e os bloqueadores de receptores de angiotensina (BRA), assim como o uso de tiazolidinodionas e de ibuprofeno, resultam em elevação dos níveis da ECA-2.

Novo estudo

No último dia 17 de abril, saiu uma publicação interessante no Circulation Research de Zhang e colaboradores abordando o uso de iECA e BRA em pacientes hipertensos internados com Covid-19.

Eles avaliaram 1128 pacientes adultos onde 188 utilizavam iECA/BRA e 940 não faziam uso. 

A mortalidade foi de 3.7% vs 9.8% com P = 0.01, respectivamente. 

Utilizando modelos ajustados a diferença permaneceu significativa. 

E demonstrando que a hipótese de que o uso de iECA ou BRA poderia elevar a mortalidade pelo novo coronavírus é improvável.

Isto tranquiliza toda a comunidade científica, e principalmente, os pacientes que fazem uso destes importantes fármacos que anualmente salvam vidas reduzindo importantes desfechos cardiovasculares e mortes.

Fonte: Pebmed

Nenhum comentário:

Postar um comentário