Uma
terapia à base de células-tronco da placenta humana reduziu em 50% o
desenvolvimento de fibrose hepática em experimento feito com ratos.
Os
pesquisadores acreditam que o benefício se deve a substâncias produzidas pelas
células da membrana amniótica – parte interna da placenta – capazes de
estimular a regeneração do fígado. O próximo passo é identificar e isolar essas
moléculas, o que abriria caminho para o desenvolvimento de novos medicamentos.
A fibrose
hepática é uma doença resultante de agressões sucessivas ao fígado, como
aquelas causadas pelo consumo excessivo de álcool ou por hepatites virais,
explicou Luciana Barros Sant’Anna, pesquisadora da Universidade do Vale do
Paraíba (Univap), onde a investigação está sendo conduzida
“Embora
as células do fígado tenham enorme capacidade de se proliferar e de regenerar o
órgão, elas acabam morrendo depois de inflamações recorrentes e são
substituídas por colágeno”, explicou a pesquisadora.
A cirrose
é o estágio terminal da doença e o único tratamento disponível nesse caso é o
transplante de fígado. Mas essa opção não é viável para muitos pacientes e, por
esse motivo, pesquisadores de todo o mundo buscam meios de impedir o
agravamento do problema.
A
metodologia desenvolvida pelo grupo da Univap, em parceria com o Centro di
Ricerca E.Menni (CREM), na Itália, consiste em envolver o fígado dos ratos com
a membrana amniótica humana ainda fresca, ou seja, menos de 48 horas após a coleta no hospital.
“Essa
membrana faz parte da placenta e é a responsável pela produção do líquido
amniótico durante a gestação. Normalmente, todo esse tecido é descartado após o
parto”, disse Sant’Anna.
Após a
assinatura de um termo de consentimento pelas gestantes, a membrana – que tem
aproximadamente 20 por 30 centímetros de tamanho e entre 2 e 3 milímetros de
espessura – foi coletada, destacada da placenta e levada para o laboratório,
onde passou por lavagem com uma solução de antibióticos e antifúngicos.
Em
seguida, o tecido foi fragmentado em pedaços de 6 por 9 centímetros, tamanho
suficiente para envolver completamente o fígado de um rato.
Para
induzir o surgimento de fibrose nos animais, os cientistas amarraram em dois
pontos o ducto biliar, canal que liga o fígado ao duodeno e serve para o
transporte de bile.
“Em
muitos casos, a fibrose é causada pelo estreitamento do ducto biliar, que pode
ser resultado de um problema congênito ou de um cálculo. Como a bile não
consegue passar, a pressão no fígado aumenta e o órgão fica inflamado. O modelo
animal usado no experimento simula essa situação”, explicou Sant’Anna.
Quinze
dias após a ligadura do ducto, os animais começaram a desenvolver a fibrose.
Aos 28 dias, já apresentavam a doença em estágio avançado.
O
experimento foi feito com um grupo de 40 ratos. Metade recebeu a membrana logo
após a sutura do ducto biliar. Na outra metade, os cientistas apenas simularam
a colocação do tecido, para que todas as cobaias fossem submetidas ao estresse
da cirurgia.
“A
membrana tem uma flexibilidade muito boa e adere facilmente ao fígado. A
fixação foi auxiliada por uma cola específica”, disse a pesquisadora.
Após
quatro semanas, metade dos animais de cada grupo foi sacrificada e teve o
fígado retirado para análise. Na sexta semana após a colocação da membrana, a
outra metade teve o órgão removido.
Redução
de danos
Os
animais que receberam a membrana apresentaram 50% menos fibrose do que os
membros do outro grupo. Ao comparar os animais em períodos diferentes, de quatro
e de seis semanas, os cientistas verificaram que a terapia não impediu o
surgimento da doença, mas reduziu a severidade e inibiu a progressão para o
estágio de cirrose.
As
análises foram feitas com auxílio de Nilson Sant’ Anna, chefe do Laboratório de
Computação Aplicada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A
quantificação da fibrose foi realizada por meio de um sistema digital de imagem
que permitiu identificar, isolar e medir precisamente as áreas do fígado
ocupadas pelo excesso de colágeno.
“Este
sistema de análise quantitativa de imagem opera de maneira automática e
possibilitou a análise rápida e simultânea da fibrose em 1.800 imagens
histológicas”, explicou Nilson.
Os
resultados foram premiados no 3º Tissue Engineeringand Regenerative Medicine
World Congress, realizado na Áustria em 2012. Também foram publicados em artigo na revista Cell
Transplantation.
“Alguns
grupos de pesquisa já isolaram as células-tronco da membrana amniótica e estão
trabalhando com elas separadamente. Optamos por usar a membrana amniótica
fresca por ser um processo rápido e menos custoso, além de preservar as células
em seu habitat, isto é, na matriz extracelular”, disse Sant’Anna.
O
objetivo do grupo agora, de acordo com a pesquisadora, é descobrir exatamente
quais são as substâncias produzidas pelas células da membrana amniótica e como
elas atuam.
“Teremos
de isolar as células-tronco e colocá-las em um meio de cultura para depois
analisar, por técnicas de biologia molecular, quais moléculas elas estão
produzindo. No futuro, isso poderia ser sintetizado em laboratório e virar um
medicamento”, disse.
Antes
disso, porém, os pesquisadores estão conduzindo um novo experimento com ratos
no qual a membrana é aplicada no fígado duas semanas após a ligadura do ducto
biliar, quando o processo de fibrose já teve início.
“A ideia
é simular uma situação mais parecida com a que acontece com os humanos.
Geralmente, quando a doença é diagnosticada, boa parte do órgão já está
comprometida”, contou.
O grupo
não descarta a possibilidade de fazer o experimento também em humanos. Nesse
caso, porém, ainda não poderia ser usada a membrana fresca por causa do risco
de infecções.
“Nós apenas
coletamos a placenta de mulheres cujos exames sorológicos sejam negativos para
doenças como sífilis, HIV, toxoplasmose e hepatite. Mas a gestante pode estar
em uma janela imunológica no momento do parto”, afirmou.
Para
evitar riscos, a membrana tem de ser congelada a menos 70 graus Celsius após a
desinfecção, e a gestante deve ser submetida a novos exames seis meses após o
parto. O congelamento, no entanto, parece reduzir em cerca de 40% a viabilidade
das células-tronco.
A grande
vantagem do método, afirmou a pesquisadora, é que a placenta é uma fonte de
células-tronco segura e de fácil acesso. Como elas produzem substâncias
imunomoduladoras, que originalmente têm a função de evitar que o bebê seja
rejeitado pelo organismo materno, não há risco de causarem rejeição nos
receptores, sejam eles humanos ou de outras espécies.
“Além
disso, não existem complicações legais, éticas ou religiosas para a coleta e
uso dessas células em pesquisas, uma vez que não são células embrionárias e sua
obtenção não requer procedimentos invasivos”, acrescentou Sant’Anna.
O artigo Amniotic
Membrane Application Reduces Liver Fibrosis in a Bile Duct Ligation Rat Model(doi:
10.3727/096368910X522252), de Luciana Sant'Anna e outros, pode ser lido
em: www.ingentaconnect.com/content/cog/ct/2011/00000020/00000003/art00008.
Por: Karina Toledo - Agência Fapesp
