Uma das
maiores dificuldades dos médicos que se dedicam ao tratamento do câncer de
cabeça e pescoço é prever a evolução dos tumores do tipo carcinoma epidermoide
– o mesmo diagnosticado na laringe do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
em 2011.
Mas em
pesquisa publicada na revista PLoS One em
dezembro, pesquisadores brasileiros identificaram uma proteína – a cofilina-1 –
que pode servir como marcador do grau de agressividade desse tipo de tumor
originário do tecido epitelial.
A
descoberta abre caminho para o desenvolvimento de medicamentos destinados à
redução da capacidade do tumor de migrar para outras regiões do organismo.
“Seria
esperado que pacientes com tumores extensos fossem os de pior prognóstico, mas
muitas vezes sua evolução é melhor que a de pacientes com tumores iniciais”,
disse Eloiza Tajara, professora da Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto (Famerp).
O melhor
indicador de agressividade disponível hoje para esses tumores, de acordo com
Tajara, é a presença de células tumorais nos linfonodos do pescoço.
“Acredita-se que um tumor inicial capaz de enviar células para outra região do
corpo seja mais agressivo que um tumor extenso que ainda não causou metástase.
Mas a presença de linfonodos negativos para células neoplásicas também não é
garantia de bom prognóstico”, disse.
Com
ferramentas mais precisas, afirmou a pesquisadora, o médico poderia identificar
quais pacientes necessitam de cirurgias invasivas, além de quimioterapia e
radioterapia, e quais poderiam ser submetidos a tratamentos mais conservadores
e menos dolorosos.
“As
cirurgias nessa região podem ser mutilantes e deixar sequelas que afetam a qualidade de vida, como dificuldades de fala,
deglutição e mastigação”, contou Tajara.
Em busca
de marcadores de agressividade, o grupo coordenado pela pesquisadora analisou
as proteínas expressas em amostras de carcinoma epidermoide da região bucal,
principalmente língua e soalho da boca (embaixo da língua), retiradas de 144
pacientes.
“Separamos
as amostras em dois grupos. Aquele considerado mais agressivo compreendia
tumores iniciais com linfonodos positivos para a presença do câncer. O grupo
considerado menos agressivo era composto por tumores extensos sem linfonodos
positivos. Os resultados mostraram que esses dois tipos são mesmo diferentes do
ponto de vista molecular”, disse Tajara.
Os
pesquisadores descobriram mais de 100 proteínas expressas de forma diferente ao
comparar os dois grupos. “A ideia é investigar a fundo cada uma dessas proteínas.
Mas como os ensaios são demorados decidimos começar pela cofilina-1, que está
mais expressa nos tumores agressivos e, segundo a literatura científica, tem
participação nos processos de migração celular”, disse.
Validação
Os
ensaios para confirmar que a maior expressão da cofilina-1 está de fato
relacionada à maior capacidade de invasão das células tumorais foram feitos
durante o pós-doutorado de Giovana Mussi Polachini, sob orientação de Tajara. O
trabalho contou com a colaboração de Andréia M. Leopoldino, professora da
Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.
Em
culturas de células de carcinoma epidermoide, a expressão da cofilina-1 foi
bloqueada com o uso de RNA de interferência. “Ele se liga ao RNA da cofilina-1
na célula fazendo com que a proteína não seja sintetizada”, explicou Tajara.
No
organismo, a célula tumoral consegue atravessar a membrana basal do epitélio, a
mais profunda, e alcançar outros tecidos, podendo entrar na circulação
sanguínea e linfática. Para simular a membrana basal in vitro, os
cientistas usaram uma mistura proteica com consistência gelatinosa denominada
Matrigel. A inibição de expressão da cofilina por RNA de interferência reduziu
a capacidade das células de atravessar essa barreira.
“Além de
um marcador de agressividade, essa proteína é um alvo terapêutico. Uma droga
capaz de bloquear sua expressão pode impedir a disseminação das células
tumorais no organismo e o avanço da doença”, afirmou Tajara.
No
entanto, ponderou a pesquisadora, a cofilina-1 atua em uma via de sinalização
muito importante para as células e bloquear sua síntese no organismo pode ter
consequências indesejadas que ainda precisam ser estudadas.
Mais
marcadores
Outros
dois marcadores relacionados ao prognóstico de pacientes com tumores na boca
foram divulgados recentemente por pesquisadores do Grupo Genoma do Câncer de
Cabeça e Pescoço (Gencapo) na revista PLoS One, sob coordenação de
Adriana Madeira Álvares da Silva, professora da Universidade Federal do
Espírito Santo.
O Gencapo é
um consórcio de pesquisadores de diversas instituições cujo objetivo é realizar
análises clínicas, genéticas e epidemiológicas em carcinomas de cabeça e
pescoço, mas que também atuam na prevenção da doença.
No artigo publicado em setembro, os
pesquisadores mostraram que pacientes com maior expressão da proteína HIF1α
respondem melhor à radioterapia e têm maior sobrevida.
“A
expressão dessa proteína é estimulada pela falta de oxigênio. Quando o tumor
cresce muito, passa a sofrer de hipóxia [deficiência na oxigenação] e
aumenta a síntese dessa proteína para estimular a formação de novos vasos
sanguíneos e irrigar a região”, explicou Tajara.
Como a
radioterapia produz espécies tóxicas de oxigênio, o aumento de vascularização
acaba facilitando a morte das células tumorais e melhorando o controle da
doença.
Em artigo publicado em novembro de
2012, o grupo analisou a proteína FGFR4 (que atua como receptor do fator de
crescimento de fibroblastos) e verificou que nos casos em que ela está menos
expressa e apresenta um polimorfismo específico (o aminoácido arginina no lugar
do aminoácido glicina) o paciente apresenta maior risco de morte e de recaída
da doença.
“A FGFR4
é uma proteína que fica na membrana celular e pertence a uma família de
receptores que se liga a outras proteínas e desencadeia uma cascata de sinais
dentro da célula”, explicou Tajara.
Ainda não
se sabe, no entanto, por que esse polimorfismo e a menor expressão dessa
proteína estão relacionados a um pior prognóstico. “Quando um aminoácido é
substituído, a proteína pode apresentar uma estrutura muito diferente e gerar
sinais alterados que afetam o comportamento da célula. Mas ainda são
necessários outros estudos para entender melhor o seu significado”, disse.
O artigo Proteomic
Approaches Identify Members of Cofilin Pathway Involved in Oral Tumorigenesis (doi:
10.1371/journal.pone.0050517), pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0050517.
O artigo HIF1-Alpha
Expression Predicts Survival of Patients with Squamous Cell Carcinoma of the
Oral Cavity (doi: 10.1371/journal.pone.0045228), pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0045228.
O artigo FGFR4
Profile as a Prognostic Marker in Squamous Cell Carcinoma of the Mouth and
Oropharynx (doi: 10.1371/journal.pone.0050747), pode ser lido em www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0050747.
Por: Karina Toledo - Agência FAPESP
