Uma pesquisa feita
na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que o hormônio feminino
estrogênio também desempenha papel fundamental na fertilidade masculina. A
descoberta ajuda a entender alguns casos de infertilidade de causa até então
desconhecida e abre caminho para novos tratamentos.
“O nível
de estrogênio na corrente sanguínea do homem é mais baixo que o circulante na
mulher. Mas, quando se analisam os órgãos do sistema reprodutor masculino, o
teor é até mais alto que o existente na mulher. Queríamos entender qual era a
importância desse hormônio nesses órgãos”, conta Catarina Segreti Porto,
coordenadora da pesquisa financiada pela FAPESP na modalidade
Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático.
Ao
analisar material extraído do testículo de ratos, os pesquisadores descobriram
a existência de três diferentes receptores de estrógenos nas células
responsáveis pela manutenção da produção do espermatozoide – as chamadas
células de Sertoli.
“Essas
células proliferam apenas em uma determinada fase do desenvolvimento que ocorre
antes da puberdade. E esse processo é o que vai determinar a quantidade de
espermatozoides que o indivíduo produz na idade adulta. Quanto mais células de
Sertoli, portanto, maior o número de espermatozoides”, explicou Porto.
Um dos
receptores descobertos pelos cientistas – conhecido na literatura científica
como receptor de estrógeno alfa – é justamente o responsável por estimular a proliferação
das células de Sertoli.
“Alguns
casos de infertilidade masculina não têm relação com a falta de testosterona,
de outros andrógenos ou de seus receptores. A explicação para esses casos pode
ser falhas na produção de estrogênio ou no funcionamento desse receptor alfa”,
disse Porto.
Os
pesquisadores também demonstraram a existência do receptor de estrógeno beta,
que tem a função antiproliferativa nas células de Sertoli e está expresso em
maior quantidade no período que antecede a puberdade.
O terceiro
receptor encontrado é conhecido como GPER e tem a função de inibir o processo
de apoptose das células de Sertoli, ou seja, é responsável por manter as
células vivas.
“Esse
receptor foi descoberto recentemente em pesquisas sobre câncer de mama e ainda
não se tinha certeza se ele estava presente apenas em situações patológicas.
Agora, mostramos que ele também tem função na sobrevivência de células
normais”, disse Porto.
A
pesquisa foi feita com células extraídas do testículo de ratos com 15 dias de
idade, período em que o processo de proliferação começa a diminuir.
“No
futuro, poderemos pensar em ferramentas farmacológicas que seletivamente
interajam com cada um desses receptores. Mas antes precisamos investigar melhor
a expressão desses receptores nas diferentes fases de desenvolvimento do animal
e descobrir em que momento é possível intervir para garantir no adulto uma
produção de espermatozoides normal”, disse Porto.
Os
resultados dessa linha do Temático já deram origem a quatro artigos – dois
publicados na revista Biology of
Reproduction, um na Spermatogenesis e
outro nos Arquivos Brasileiros de
Endocrinologia e Metabologia.
Câncer de
próstata
Em outro
braço do projeto também coordenado por Porto, os cientistas investigaram se a
presença do estrogênio e de seus receptores no sistema reprodutor masculino
também teria influência sobre o câncer de próstata.
“Sabemos
que os hormônios masculinos ou andrógenos estimulam a proliferação das células
malignas, tanto que um dos principais tratamentos para o câncer de próstata é
justamente a castração cirúrgica ou farmacológica”, disse Porto.
Cerca de
85% dos pacientes com câncer prostático respondem bem ao bloqueio dos hormônios
andrógenos e o tumor para de se desenvolver, mas, dois ou três anos após o
tratamento, uma parcela significativa tem recaída. “Para esses casos de câncer
resistente à castração ainda não existe tratamento efetivo. Eles progridem e
causam metástase”, disse Porto.
Ao
analisar linhagens de células de câncer prostático resistentes à castração, os pesquisadores
da Unifesp verificaram que os receptores de estrógeno alfa e beta também
estavam presentes.
“Esperávamos
encontrar esses receptores, uma vez que o estrogênio também é produzido na
próstata, mas o surpreendente foi verificar que nas células cancerígenas eles
estavam localizados fora do núcleo. Já nas células normais, mais de 90% dos
receptores ficam dentro do núcleo”, contou a pesquisadora.
Quando os
receptores estão fora do núcleo celular, eles se tornam capazes de ativar mais
rapidamente várias vias de sinalização celular envolvidas com proliferação,
sobrevivência e migração celular.
“Mostramos
que a ativação do receptor beta leva ao aumento da proteína beta-catenina, que
tem múltiplos papéis no desenvolvimento do tumor. Esses estudos ainda estão em
andamento, mas sugerimos que o estrogênio e seus receptores podem ter um papel
na progressão do câncer prostático resistente à castração”, disse Porto.
Os dados
preliminares foram apresentados no The Endocrine Society’s 94th Annual Meeting,
realizado em Houston, Estados Unidos, em junho.
Artigos:
-
Expression and Signaling of G Protein-Coupled Estrogen Receptor 1 (GPER) in Rat
Sertoli Cells: www.biolreprod.org/content/83/2/307.full.pdf+html
-
17Beta-Estradiol Signaling and Regulation of Proliferation and Apoptosis of Rat
Sertoli Cells:www.biolreprod.org/content/86/4/108.long
-
17β-estradiol
signaling and regulation of Sertoli cell function:www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3271643/pdf/spmg0104_0318.pdf
-
Estrogen receptors and function in the male reproductive system:www.scielo.br/pdf/abem/v53n8/05.pdf
Por Karina Toledo - Agência FAPESP