terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pesquisas indicam ligação entre antibióticos e obesidade


O abuso de antibióticos também pode estar contribuindo para a crescente incidência de obesidade

O uso excessivo de antibióticos tem levado à criação de bactérias resistentes aos medicamentos, conhecidas como superbactérias, tais como a Staphylococcus aureus, resistente à meticilina.        

Agora, porém, pesquisadores estão verificando uma possibilidade igualmente inquietante: o abuso de antibióticos também pode estar contribuindo para a crescente incidência de obesidade, bem como para alergias, doenças inflamatórias intestinais, asma e refluxo gastroesofágico.      

Martin Blaser, professor de microbiologia do Centro Médico Langone, na Universidade de Nova York, é um dos que estão chamando atenção para a possibilidade. Em um comentário publicado em agosto na revista "Nature", ele afirmou que os antibióticos alteram permanentemente a flora microbiana do corpo humano, também conhecida como microbioma ou microbiota, acarretando consequências imprevistas e graves para a saúde.           

O intestino humano, em particular, abriga bilhões de bactérias, mas pouco se sabe sobre esse ecossistema oculto. Considere-se a bactéria Helicobacter pylori, por exemplo, associada ao aumento de risco de úlceras e câncer gástrico. Muitos médicos prescrevem prontamente antibióticos para matá-la, mesmo quando o paciente não tem sintomas.            

Contudo, em 1998, em um artigo publicado no "British Medical Journal", Blaser foi mais comedido. Na ocasião, argumentou que a H. pylori pode não ser um agente tão ruim, no fim das contas. "Estamos falando de uma bactéria que integra o intestino humano há pelo menos 58 mil anos", disse Blaser em uma entrevista. "Provavelmente existe uma razão para isso".        

Seu laboratório, desde então, produziu um fluxo de resultados que sustentam sua suspeita. Blaser e seus colegas descobriram, por exemplo, que o estômago se comporta de maneira diferente após a utilização de antibióticos para a erradicação da H. pylori.    

Supõe-se que, após uma refeição, os níveis de grelina --um hormônio da fome secretado no estômago-- diminuam. Mas, na pesquisa em indivíduos sem H. pylori, a quantidade de grelina no sangue se manteve, indicando ao cérebro que se continue comendo.            

Além disso, os ratos do laboratório de Blaser tomaram antibióticos em doses semelhantes às dadas a crianças para tratar infecções de ouvido e de garganta, suficientes para matar a H. pylori em muitos pacientes. Foi registrado aumento da gordura corporal nos animais, embora sua dieta não tenha sido alterada. (Na verdade, há muito tempo os pecuaristas dão antibióticos ao gado para promover ganho de peso sem aumentar a ingestão calórica).         

Estes resultados são consoantes com a pesquisa conduzida atualmente por Peter Turnbaugh, geneticista da Universidade Harvard, em colaboração com Jeffrey Gordon, gastroenterologista da Universidade de Washington, em St. Louis. Eles descobriram que a proporção de diferentes tipos de bactérias no intestino de ratos obesos e humanos obesos é significativamente diferente da dos magros, sugerindo que alterar o equilíbrio microbiano do estômago com antibióticos pode tornar os pacientes mais suscetíveis a ganhar peso. 

O uso excessivo de antibióticos também pode ser a raiz de outros problemas de saúde. Yu Chen, epidemiologista da Universidade de Nova York, encontrou uma correlação inversa entre a infecção por H. pylori e a asma infantil, a rinite e alergias dermatológicas em 7600 participantes da Pesquisa Nacional em Saúde e Nutrição, nos Estados Unidos.          

Pesquisas de observação têm demonstrado que, na verdade, a eliminação da H. pylori aumenta o risco de refluxo gástrico, que é em si associado à asma, bem como de doenças de esôfago. Pesquisadores na Suíça e na Alemanha relataram que camundongos que receberam H. pylori se tornam na verdade protegidos contra a asma.            

Barry Marshall, professor de 
biologia clínica da Universidade da Austrália Ocidental, em Perth, agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina em 2005 por sua participação na descoberta da H. pylori e seu papel na gastrite e úlcera péptica, teve uma reação mais discreta.    

"Eu nunca matei ninguém por receitar antibióticos para a H. pylori, mas pessoas morreram por não tomar antibióticos para se livrar dela", disse ele. 

Os pacientes cuja flora interna se encontra dizimada por antibióticos tendem a readquirir as bactérias ao longo do tempo, principalmente se a pessoa reside com outras, disse Marshall.           

No entanto, ele concorda com a Blaser a respeito de que os antibióticos têm sido administrados em excesso. Marshall disse que até mesmo prevê o dia em que uma cepa desintoxicada da H. pylori possa ser utilizada como tratamento para doenças como a obesidade e a asma.
Porém, o aumento no uso de antibióticos pode estar causando danos que vão muito além dos que resultam da perda da H. pylori.   

"Até agora, nos concentramos na H. pylori porque temos testes de diagnóstico para detectá-la, mas poderíamos dizer que a H. pylori é um organismo que indica um provável processo de desaparecimento de uma ampla microbiota, o que aumenta o risco de doenças", afirmou Blaser.            

Os Institutos Nacionais de Saúde também estão preocupados, tanto que investiram US$ 6,5 milhões na pesquisa de Blaser durante o ano passado, a fim de investigar o papel do desaparecimento de microbiotas na atual epidemia de obesidade. Além disso, destinaram US$ 115 milhões em 2008 ao financiamento do Projeto Microbioma Humano, que se propõe a identificar micróbios que residem na pele e no interior de organismos humanos saudáveis. 

"Podemos pensar nessa iniciativa como o segundo projeto do genoma humano, no qual faremos o sequenciamento dos genes da enorme diversidade de bactérias que povoa nosso corpo", disse Julie Segre, pesquisadora sênior do Instituto de Pesquisa do Genoma Humano dos Institutos Nacionais de Saúde. "Vamos recolher amostras de 200 voluntários saudáveis para ter uma ideia do que é uma microbiota normal e saudável".   

Trata-se de um projeto ambicioso, dado que as bactérias do corpo superam as células humanas em uma relação de dez para um. Porém, os pesquisadores envolvidos dizem que os avanços na 
tecnologia de sequenciamento de DNA fizeram com que a iniciativa se tornasse viável. Até o momento, o projeto foca apenas nos micróbios que residem sobre a pele e nas áreas do nariz, da boca, do intestino e na genitália.      

David Relman, professor de microbiologia e imunologia da Universidade de Stanford, disse que o Projeto Microbioma Humano é importante porque não são apenas os antibióticos que estão alterando a microbiota humana: "Muitos aspectos da vida moderna, incluindo a alimentação, famílias menores, mais práticas de higiene e melhorias no saneamento público, estão afetando nossas comunidades bacterianas".           

Obter um retrato genético das bactérias que povoam os seres humanos hoje seria fornecer um referencial para acompanhar problemas futuros, assim como transtornos decorrentes deles.           

"Precisamos entender como nossas comunidades microbianas operam, além de identificar o que dar a elas para que possam florescer novamente", disse Relman. "É instigante e totalmente possível que no futuro tenhamos um coquetel de cepas e espécies de bactérias para reparar os danos colaterais que os antibióticos e outras práticas têm desencadeado na ecologia do nosso organismo". 

As ideias de Blaser nem sempre foram populares, mas ele se sente satisfeito com o interesse crescente pelo microbioma humano e suas relações com a saúde. 
"Sei que agora estou fazendo o trabalho mais importante da minha carreira", disse ele.

Por: Portal Educação
Fonte: New York Times