Antipsicóticos de segunda geração usados por gestantes são associados a baixa taxa de eventos adversos em seus filhos, sugere nova pesquisa.
Dados de um grande estudo de registro com quase 2.000 mulheres mostraram que 2,5% dos nascidos vivos em um grupo que havia sido exposto a antipsicóticos tiveram alguma malformação maior confirmada, em comparação com 2,0% dos nascidos vivos no grupo de controle. Isso se traduziu em uma razão de chances (OR, sigla do inglês Odds Ratio) estimada de 1,5 para malformação maior.
"O risco absoluto de 2,5% de malformação maior é consistente com a taxa de referência nacional de malformação maior na população geral dos Estados Unidos estimada pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC)", explicou ao Medscape a primeira autora do estudo, Dra. Adele Viguera, médica e diretora de pesquisa em saúde mental da mulher, Cleveland Clinic Neurological Institute, nos EUA.
"Nossos resultados são tranquilizadores e sugerem que os antipsicóticos de segunda geração, como classe, não aumentam substancialmente o risco de malformação maior", disse a Dra. Adele.
Os achados foram publicados on-line em 03 de agosto no periódico Journal of Clinical Psychiatry.
Poucos dados de segurança
Apesar do aumento no uso de antipsicóticos de segunda geração para tratar uma "gama de transtornos psiquiátricos", há relativamente poucos dados sobre a segurança reprodutiva desses agentes, destacou a Dra. Adele.
O National Pregnancy Registry for Atypical Antipsychotics (NPRAA) foi criado em 2008 para determinar o risco de malformação maior entre bebês expostos a esses medicamentos durante o primeiro trimestre de gestação, em relação a um grupo de controle composto de bebês de mães com história de morbidade psiquiátrica, mas que não foram expostos a antipsicóticos durante a gestação.
O NPRAA acompanha gestantes (entre 18 e 45 anos de idade) com diagnóstico de doença psiquiátrica e que fazem uso de antipsicóticos de segunda geração durante a gestação ou não. As participantes são recrutadas via encaminhamento de profissionais de saúde em todos os EUA, autorreferência e anúncios no site do Massachusetts General Hospital Center for Women's Mental Health.
As mulheres são entrevistadas por telefone em três momentos: à inscrição, aos sete meses de gestação e três meses após o parto.
Os pesquisadores também obtiveram informações sobre desfechos por meio da revisão sistemática de prontuários obstétricos, de trabalho de parto, do parto e pediátricos.
Desde a publicação dos primeiros resultados, em 2015, o tamanho da amostra do estudo aumentou – e os riscos absoluto e relativo de malformação maior observados na população do estudo ficaram "mais precisos", observam os pesquisadores. O estudo em tela apresentou resultados anteriores atualizados.
Diferenças demográficas
Das 1.906 mulheres que se inscreveram até abril de 2020, 1.311 (média de idade de 32,6 anos; 81,3% brancas) completaram o estudo e eram elegíveis para inclusão na análise.
Embora a média de idade nos grupos tenha sido virtualmente idêntica, menos gestantes no grupo de exposição eram casadas em comparação com aquelas no grupo de controle (77% versus 90%, respectivamente); e menos tinham terceiro grau completo (71,2% vs. 87,8%). O grupo de exposição também registrou maior uso de cigarro no primeiro trimestre da gestação (18,4% vs. 5,1%).
Por outro lado, mais mulheres no grupo de controle fizeram mais uso de álcool do que as no grupo de exposição (28,6% versus 21,4%, respectivamente).
O transtorno psiquiátrico mais frequente no grupo de exposição foi transtorno bipolar (63,9%), seguido de depressão maior (12,9%), ansiedade (5,8%) e esquizofrenia (4,5%). Apenas 11,4% das mulheres no grupo de controle foram diagnosticadas com transtorno bipolar; 34,1% tinham depressão maior, 31,3% ansiedade e nenhuma tinha esquizofrenia.
Uma grande porcentagem de mulheres em ambos os grupos tinha história de depressão pós-parto e/ou psicose (41,4% e 35,5%, respectivamente).
Os antipsicóticos de segunda geração usados com mais frequência no grupo de exposição foram quetiapina, aripiprazol e lurasidona.
As participantes do grupo de exposição tinham uma idade mais avançada ao diagnóstico psiquiátrico primário e menos doenças ao longo da vida em comparação com aquelas no grupo de controle.
Importantes implicações clínicas?
Entre 640 nascidos vivos no grupo de exposição, que incluiu 17 gestações gemelares e uma gestação tripla, 2,5% apresentaram malformação maior. Entre 704 nascidos vivos no grupo de controle, que incluiu 14 gestações gemelares, 1,99% apresentaram malformação maior.
A razão de chances estimada para malformação maior comparando bebês expostos e não expostos ao uso de antipsicóticos foi de 1,48 (intervalo de confiança, IC, de 95% de 0,625 a 3,517).
Os autores pontuaram que seus achados foram consistentes com um dos maiores estudos já realizado, que incluiu uma amostra nacional (dos EUA) de mais de um milhão de mulheres. Seus resultados mostraram que, entre bebês expostos a antipsicóticos de segunda geração versus aqueles que não foram expostos, a razão de risco estimada após o ajuste para doenças psiquiátricas foi de 1,05 (IC 95% de 0,96 a 1,16).
Além disso, "uma característica marcante de um teratógeno é que tende a causar um tipo ou padrão específico de malformação, e não encontramos preponderância de um único tipo de malformação maior ou padrão específico de malformação entre os grupos de pacientes expostos e não expostos", explicou a Dra. Adele.
"A principal implicação clínica desses achados é que, para mulheres com transtornos psicóticos e/ou de humor importantes, entrar com um antipsicótico atípico durante a gestação pode ser a decisão clínica mais prudente, assim como recomenda-se o tratamento continuado para gestantes com outras doenças graves e crônicas, como epilepsia", acrescentou.
O conceito de "satisfatório"
Comentando sobre o estudo para o Medscape, a Dra. Vivien Burt, Ph.D., médica, fundadora e diretora/consultora do Women's Life Center no Resnick UCLA Neuropsychiatric Hospital, nos EUA, chamou as descobertas de "tranquilizadoras".
Os resultados "endossam a conclusão de que em gestantes com doenças psiquiátricas graves, o uso de antipsicóticos de segunda geração costuma ser uma opção melhor do que evitar esses medicamentos e expor tanto as mulheres como os seus filhos às consequências adversas da doença psiquiátrica materna", disse ela.
Um editorial que o acompanha o estudo, realizado pela Dra. Vivien em colaboração com a médica Dra. Sonya Rasminsky, introduz o conceito de "satisfatório", um termo cunhado por Herbert Simon, um economista comportamental e ganhador do Prêmio Nobel. "Satisfatória" é uma "estratégia de tomada de decisão que visa um resultado 'bom o suficiente' em vez do um resultado perfeito".
O conceito se aplica à tomada de decisão além do campo da economia "e é fundamental para como os médicos ajudam os pacientes a tomar decisões quando se deparam com várias opções de tratamento", explicou a Dra Vivien, professora emérita de psiquiatria na David Geffen School of Medicine da UCLA.
"O objetivo do ‘satisfatório’ é planejar o melhor desfecho, sabendo que sempre há elementos desconhecidos. Então, em um mundo incerto, os médicos devem ajudar cuidadosamente seus pacientes a tomarem decisões que lhes permitirão alcançar um resultado com o qual eles possam viver melhor", observou ela.
Os pesquisadores observaram que suas descobertas podem não ser generalizáveis para a população maior de mulheres que tomam antipsicóticos de segunda geração, visto que suas participantes eram "mulheres predominantemente brancas, casadas e com instruídas".
Eles acrescentam que a inscrição no registro NPRAA está em andamento e amostra maiores "estreitarão ainda mais o intervalo de confiança acerca das estimativas de risco e permitirão o ajuste para prováveis fatores de confusão".
O NPRAA recebe apoio da Alkermes, Johnson & Johnson/Janssen Pharmaceuticals, Inc, Otsuka America Pharmaceutical, Inc, Sunovion Pharmaceuticals, Inc, SAGE Therapeutics, Teva Pharmaceuticals e Aurobindo Pharma. Antigos patrocinadores do NPRAA estão listados no artigo original.
A Dra. Adele recebe apoio para pesquisa do NPRAA, Alkermes Biopharmaceuticals, Aurobindo Pharma, Janssen Pharmaceuticals, Otsuka Pharmaceuticals, Sunovion Pharmaceuticals, Inc, Teva Pharmaceuticals e SAGE Therapeutics, Inc, além de remuneração por consultoria do Up-to-Date. A declaração de conflitos de interesses dos demais autores constam no artigo original. A Dra. Vivien é porta-voz e presta consultoria para a Sage Therapeutics. A Dra. Sonya informou não ter conflitos de interesses.
Fonte: Medscape

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