Aparelhos que se integram ao corpo fazendo exames ou administrando drogas automaticamente começam a sair dos laboratórios e vão parar dentro dos pacientes
Lembrar de tomar o medicamento, fazer exames periódicos ou ter de picar o dedo para medir a glicose do sangue de diabéticos podem em breve transformar-se em atitudes do passado. É para isso que trabalham cientistas de vários laboratórios pelo mundo especializados em computadores implantáveis. Uma nova geração desses aparelhos já começa a receber a aprovação de órgãos de regulação para que sejam “instalados” em nós. A expectativa é que esse mercado, que cresce rápido, chegue a US$ 24,8 bilhões em 2016, de acordo com a empresa de pesquisa BCC Research.
Na dianteira desse avanço está o engenheiro Robert Langer, detentor do título de Institute Professor, o maior mérito dado pelo MIT a um professor. Langer trabalha num chip que pode substituir as pílulas. Seu aparelho é introduzido sob a pele na região da cintura, e pode ser programado remotamente para liberar doses de medicamento em determinados horários. Ou seja, em vez de pedir ao paciente que se lembre de tomar o medicamento, o médico pode programar de longe o dispositivo para administrar a droga nos horários e doses apropriados. O chip já foi testado com sucesso em oito mulheres com osteoporose, substituindo injeções diárias do medicamento teriparatide. Ao final de 12 meses, houve uma melhora na formação óssea delas. “Isso possibilita tratamento individualizado, mais preciso e menos doloroso”, diz Langer.
Ainda não há previsão para o aparelho chegar ao mercado, mas, quando começar a ser usado, poderá somar-se a outros sensores internos que disparam alertas quando há algo errado. Um deles, em fase de desenvolvimento pela Universidade da Califórnia, tenta medir em tempo real o nível de glicose no sangue dos diabéticos.
Essa informação poderá, no futuro, ser usada para que um chip como o de Langer libere automaticamente doses de insulina no sangue. É como um painel de automóvel que acende uma luz quando há algo de errado em seu sistema eletrônico, compara o cardiologista americano Eric Topol no livro The Creative Destruction of Medicine (A Destruição Criativa da Medicina, sem edição no Brasil). “Em breve estarão em nossa corrente sanguínea na forma de nanossensores, do tamanho de um grão de areia, fornecendo uma vigilância contínua do nosso sangue, sendo capazes de detectar a primeira possibilidade de um câncer”, escreve Topol.
Os primeiros passos nessa direção já foram dados. Em 2012, o órgão regulador dos Estados Unidos, o FDA, aprovou um sensor criado pela empresa Proteus Digital Health que avalia como está sendo feita a digestão. O aparelho, colocado dentro de uma pílula, coleta dados sobre o tempo de digestão de uma droga e os repassa por impulsos elétricos. Esses dados, junto com informações sobre batimento cardíaco e sobre a movimentação durante o sono, são transmitidos a paciente e médico. Isso permite saber como a pessoa reage ao tratamento e pode ajudar a detectar emergências como um derrame.
Outro mecanismo aprovado recentemente, em 2013, é o Argus, a primeira prótese ocular liberada pelo FDA. Ele consiste num chip com eletrodos implantado no fundo do olho, que converte imagens de uma microcâmera instalada nos óculos em pulsos elétricos. Os pulsos, enviados a células da retina, produzem imagens para pessoas que perderam a visão. O “olho biônico” é usado em pacientes com retinite pigmentosa, doença que causa degeneração da retina e afeta seriamente a visão de cerca de 1,5 milhão de pessoas no mundo. Apesar de não restaurar por completo a visão, ajuda cegos a voltar a enxergar movimentos, objetos e até a ler.
Todos esses aparelhos implantáveis são descendentes diretos do marca-passo, usado com sucesso pela primeira vez na Suécia, em 1958. A diferença é que hoje eles atingem formas que permitem um nível inédito de integração com o corpo, possibilitando mais funções. Mas alguns obstáculos permanecem. “Os principais desafios são a compatibilidade, de modo que o corpo não rejeite o implante, e a falta de clareza dos efeitos a longo prazo”, diz Zhenan Bao, especialista em ciência dos materiais da Universidade de Stanford. Materiais como silício ou ouro podem causar reações, como inflamações, cápsulas fibrosas e calcificação ao redor do implante. “Afeta não só o corpo, mas também o funcionamento do dispositivo e a precisão da leitura das informações”, diz o engenheiro Christopher Bettinger, da Universidade Carnegie Mellon.
Se essas barreiras forem ultrapassadas, a perspectiva é de, no futuro, não apenas oferecer melhores tratamentos, mas também incrementar algumas habilidades do nosso corpo. Mas olhos biônicos que dão zoom, nanodispositivos que aumentam a concentração ou melhoram o desempenho físico devem ficar para depois que tivermos implantes em tempo real nos examinando ou liberando medicamentos em nosso sangue.
Fonte: Galileu
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