domingo, 5 de maio de 2013

Velhas receitas continuam em novas bulas


Pode mastigar? Pode partir? É próprio para criança? Se eu estiver grávida, posso usar? Estas são dúvidas que persistem para quem lê as bulas da maioria dos cerca de 20 mil medicamentos vendidos no Brasil e que podem pôr em risco a saúde do consumidor. 

A impressão em letra de tamanho maior, o uso de linguagem simples e em formato de perguntas e respostas, como requer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009, aparece em 313 bulas, das quais apenas 94 são de medicamentos alopáticos. E mesmo entre estes há problemas. 

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) avaliou 17 de uso comum e cuja nova bula já passou pelo aval da Anvisa e concluiu que apenas cinco estão em total conformidade com as exigências. Dos demais, três oferecem bulas no modelo antigo — totalmente irregular —, e nove, embora tenham o novo padrão, não cumprem integralmente a regra.

Os aprovados foram Glucovance, Gilbeta, Prozac, Bonviva e Clenil Compositum HFA. Valtrex, Maalox e Buscuduo apresentaram ao menos um tipo de inadequação, mas sem riscos à saúde. Já as bulas de Vivacor, Crestor, Allegra D, Fluticaps, Transpulmin e Dramin B6 têm algum problema passível de causar riscos à saúde, segundo a avaliação do Idec. E as de Allexofedrin D, Engov e Belara ainda estavam no formato antigo.

A demora na adequação é preocupante

A resolução de 2009 obriga padrões e isso evidencia que há um risco, uma necessidade de esclarecimentos — diz Carlos Thadeu de Oliveira, diretor técnico do Idec. — O que está aprovado tem que estar no mercado. Por que esperar? O fornecedor sabe dos riscos, sabe da regra.

Mariana Tavares, de 30 anos, que sofre de lúpus, uma doença crônica, não toma nenhum medicamento sem ler o texto que o acompanha. O mesmo procedimento ela adota antes de medicar as duas filhas: — Sempre leio a bula. Especialmente se for um medicamento que não conheço ou prescrito por um médico de emergência. Muitas vezes, não entendo a letra dele e quando chego em casa confiro indicação e dosagem.

E há problemas graves nas bulas, alerta o Idec: as de Crestor e Vivacor informam que seu uso é adulto e pediátrico acima de 10 anos, embora apenas uma das apresentações dos medicamentos, a de 5mg, seja autorizada para uso infantil. A bula, porém, é a mesma para as quatro apresentações desses dois medicamentos, o que abre margem para dúvidas. O fabricante Astrazeneca explica que as bulas dos dois medicamentos contemplam informações das apresentações de 5mg, 10mg, 20mg e 40mg e estão de acordo com a norma da Anvisa, pois explicitam a dosagem pediátrica em “Posologia”.

AGÊNCIA AVALIZA TEXTOS COM ERROS 

Em outros casos, os problemas, não estavam apenas nas versões impressas das bulas, mas também nas que passaram pelo crivo da Anvisa e estão no bulário eletrônico (www4.anvisa.gov.br/BularioEletronico/). É o caso de Allegra D, Fluticaps e Valtrex. O primeiro não informa o tempo médio para o início da ação do medicamento, a duração do tratamento e o limite diário de administração. O Fluticaps também não cita o tempo para a ação. Já o Valtrex não orienta o que fazer se o paciente esquecer de tomar o medicamento. Após a pesquisa, a Anvisa auditou essas bulas e concluiu que não há “justificativa técnica para a ausência das informações de segurança” nesses três medicamentos e disse que as bulas terão que ser corrigidas.

A Glaxo Smith Kline afirma que a bula do Valtrex cumpre as exigências da Anvisa, mas que está trabalhando para deixar a informação mais clara em até 180 dias.

O Aché diz que a bula do Fluticaps, da Biosintética, empresa do grupo, também cumpre as regras da agência. Segundo a Sanofi-Aventis, de Allegra D e Maalox, as bulas de ambos foram aprovadas pela reguladora.

Em relação ao primeiro, informa que o tempo médio para início de ação consta na bula para profissional de saúde, mas avalia acrescentá-lo à versão para pacientes, inclusive na do Maalox.

Já o Dramin B6 não informa que o medicamento não pode ser partido, aberto ou mastigado, destaca o Idec, enquanto o Transpulmin não orienta quanto a doses para populações especiais, como idosos, e não contém a data de aval da Anvisa.

Em ambos os casos, a agência diz que “há justificativas técnicas para a ausência dessas informações”. A Takeda, antiga Nycomed, diz que a bula de Dramin B6 foi aprovada pela agência, assim como a Aché em relação ao Transpulmin, que, informa também que a inclusão da data de aprovação pela agência já foi providenciada para este medicamento.

MULTA PODE CHEGAR A R$ 1,5 MILHÃO 

Segundo a Anvisa, as empresas tiveram até janeiro de 2011 para se adaptar. As penalidades variam de notificação a multas de até R$ 1,5 milhão. Nenhuma empresa foi multada ainda, diz a agência, explicando que as farmacêuticas não podem ser punidas enquanto a bula não for publicada eletronicamente. Para acabar com o gargalo atual — de 700 processos —, a reguladora aprovou uma resolução em dezembro que determina que as bulas sejam disponibilizadas no bulário 24 horas após envio ao órgão, independentemente da avaliação da entidade. A partir daí, há até 180 dias para as bulas estarem nas caixas.
Para Oliveira, o atraso não se justifica: — O Brasil é o país das melhores leis e das piores práticas.

Alessandra Russo, do Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos, do Conselho Federal de Farmácia, destaca que é essencial que os dados sejam exatos e compreensíveis, já que os riscos são inerentes ao uso de medicamentos. E isso interfere na segurança do paciente.

A Janssen-Cilag reconhece a inadequação da bula do Belara e afirma que a correção está em implementação. A Cosmed informa que já adequou a do Engov. A fabricante do Buscoduo, a Boehringer Ingelheim afirma que todos os dados relevantes estão na bula. E o EMS diz que a bula do Allexofedrin D não gera problemas de interpretação ou riscos à saúde.

Fonte: O Globo