Produto desenvolvido na Unicamp
tem maior eficiência anestésica, agindo por um período equivalente a dez horas
de anestesia tópica
Um novo gel anestésico à base de ropivacaína
encapsulada em nanopartículas, que está sendo desenvolvido na Unicamp, pode se
tornar uma alternativa para eliminar o uso de agulhas na odontologia. A
formulação apontou maior eficiência anestésica em relação a outras testadas em
camundongos com um tempo de analgesia superior a 600 minutos, período equivalente
a dez horas de anestesia tópica. A proposta da pesquisa é o uso da ropivacaína
como anestesia dérmica, hoje inexistente no mercado.
As aplicações, segundo a autora do estudo, Sheila
Maria Stoco, são variadas, sendo a mais promissora para a área de Odontologia,
que visa eliminar de vez o uso das agulhas. No momento, avalia-se inclusive a
possibilidade de transformar a formulação em produto.
Para a pesquisa também foram realizados testes de viabilidade
celular, que permitiram constatar que o gel desenvolvido não apresentou
potencial irritativo para a pele de animais. Essa melhor formulação exibiu
ainda uma boa penetração através da pele, um reduzido time lag (tempo para o
início da ação, que está em aproximadamente 35 minutos) e uma citotoxicidade
inferior a 50%, tanto em fibroblastos 3T3 quanto em células de melanoma
murinho, que foram as células modelo de citotoxicidade avaliadas, cultivadas no
Laboratório de Biomembranas e cedidas pelo professor do IB Marcelo Lancellotti.
De acordo com a bióloga, a ropivacaína -
pertencente à classe das aminas amidas - demonstrou ser um anestésico local
semelhante à bupivacaína (outra droga potente) em termos de tempo de analgesia,
mas trouxe menor toxicidade aos sistemas nervoso central e cardiovascular.
Outros pontos favoráveis foram que o anestésico não induziu a
meta-hemoglobinemia (uma condição na qual se verificam níveis anormais de
hemoglobina oxidada, que são incapazes de se ligar ao oxigênio para efetuar seu
transporte às células, ocasionando hipóxia tecidual) e nem o potencial
alergênico de outros anestésicos tópicos, como a benzocaína e a lidocaína, os
mais habitualmente utilizados e disponíveis comercialmente. "Nosso estudo
basicamente consistiu em produzir formulações que continham a ropivacaína em
uma base-gel associada a diferentes promotores de absorção ou a carreadores
como nanopartículas de alginato-quitosana" , explica.
Apesar da ropivacaína ser indicada hoje com boa
eficácia, predominantemente em casos como bloqueios regionais e em anestesias
epidurais (chamadas também peridurais), no estudo de Sheila Stoco, que é
bióloga de formação, ela trouxe uma nova aplicação para a ropivacaína na linha
de anestesia tópica. Anteriormente a droga era empregada de uma forma bastante
restrita: por via infiltrativa.
A grande vantagem do novo gel, que provavelmente
poderá ser adotado em procedimentos ambulatoriais, é que ele deve ser prescrito
como adjuvante antes de se iniciar a execução da anestesia local, caso novos
estudos complementares mostrem eficácia e segurança para a sua efetiva
introdução clínica. O intuito é amenizar a dor e a ansiedade dos procedimentos
cirúrgicos, principalmente dermatológicos. Com ele, consegue-se eliminar, por
exemplo, o incômodo da picada da agulha ao se realizarem as remoções de
tatuagens, punções venosas, curetagens e biópsias, representando um enorme
avanço dentro da prática clínica.
Dissertação
Das várias formulações experimentadas no estudo,
que faz parte de uma dissertação de mestrado defendida pela pesquisadora Sheila
Maria Stoco, apresentado ao Instituto de Biologia (IB), a mais exitosa foi a
que empregou ropivacaína 2% encapsulada em nanopartículas de
alginato-quitosana. Os resultados foram alcançados, devido a um trabalho
colaborativo envolvendo o professor Leonardo Fernandes Fraceto, docente da
Unesp-Sorocaba, que preparou as nanopartículas, e a pós-graduanda Sheila Stoco,
que fez a encapsulação da ropivacaína.
Por associação desses processos, conseguiu-se obter
um gel que sinalizou tanto uma melhor performance quanto uma melhor penetração
na pele em relação a todas as outras formulações. De acordo com a orientadora
da dissertação, não foram, porém, realizados estudos em mucosa. "Os
estudos de permeação efetuados para verificar o fluxo de penetração do gel
através da pele e o tempo para início de ação foram de permeação in vitro,
utilizando-se como modelo pele de orelha de porco", enfatiza Daniele
Ribeiro. Esta investigação foi feita dentro da linha de pesquisa de anestésicos
locais, coordenada pela professora Eneida de Paula.
A intenção agora é efetuar estudos de
biocompatibilidade na pele de roedores e em pele humana para ver se a
formulação final não será responsável por provocar lesões aos tecidos (se
ocasiona necrose ou se tem algum potencial inflamatório), além de estudos de
microscopia com focal que colaborem para esclarecer em quais regiões da pele a
ropivacaína está penetrando. "Temos atualmente o melhor estudo para
observar o seu poder de penetração e pretendemos buscar aplicação odontológica
e em procedimentos do segmento. Esse é o nosso principal objetivo, bem como
notar a possibilidade da utilização do gel na anestesia pulpar e gengival",
expõe a pesquisadora. Não obstante os presentes resultados indicarem que a
formulação que está sendo estudada possui viabilidade para uso clínico,
tornam-se necessárias ainda outras investigações complementares que sejam
capazes de atestar se de fato há eficácia e segurança suficientes para que o
produto seja introduzido na prática clínica, realça.
Fonte: Isaude.net