Os que receberam tratamento precoce tiveram 41% menos processos infecciosos do
que os demais.
Parece
ficção, mas esse foi o nome de um congresso realizado na Universidade George Washington,
em dezembro.
Há muito
a comunidade científica discute a ideia de que tratar a infecção pelo HIV com
antirretrovirais (ARVs) traria a vantagem paralela de impedir a transmissão do
vírus.
De um
lado, os que consideravam óbvia essa hipótese: se os medicamentos reduzem a
carga viral, a probabilidade de espalhar o vírus tem que diminuir. De outro, os
céticos: falta provar.
A
controvérsia foi esclarecida com a publicação do estudo conduzido pelo HIV
Prevention Trial Network, um consórcio internacional do qual participaram
diversos infectologistas brasileiros.
Batizado
como HPTN 052, o estudo envolveu 1.763 casais heterossexuais com apenas um dos
cônjuges infectado (casais discordantes), residentes em cinco países africanos,
Brasil, Tailândia e Estados Unidos.
Para
participar, o parceiro infectado devia estar virgem de tratamento e ter no
sangue um número de células CD4 entre 350 e 550/mm³, característica dos que
apresentam certo grau de deficiência imunológica, porém ainda insuficiente para
chegar à fase de Aids.
Sorteados
ao acaso, metade dos participantes recebeu comprimidos contendo ARVs. Para os
outros, foram distribuídos comprimidos-placebo aparentemente idênticos, até que
suas células CD4 caíssem abaixo de 250.
Em abril
de 2011, os resultados se mostraram tão contundentes que o estudo foi encerrado
e enviado para a revista médica de maior circulação mundial: "The New
England Journal of Medicine".
Das 28
pessoas infectadas por seus parceiros, 27 faziam parte do grupo-placebo; apenas
uma pertencia ao grupo medicado com os ARVs.
Além do
benefício na prevenção, os que receberam tratamento precoce tiveram 41% menos
processos infecciosos do que os demais, constatação que levou os organizadores
a prescrever ARVs para todo o grupo de controle. Para excluir a possibilidade
de que os 28 infectados tivessem adquirido o vírus em relações extraconjugais,
o HIV colhido na circulação de cada um deles foi submetido a testes genéticos
para confirmação de identidade com o vírus do cônjuge.
Em
ciência, a resolução de um problema inevitavelmente cria outros. Agora, alinham-se
em campos opostos os otimistas, que acham possível conter a epidemia em países
inteiros às custas do tratamento precoce dos HIV positivos, contra os que
consideram essa estratégia fantasiosa pelas seguintes razões:
1) É
muito difícil identificar todos os infectados pelo HIV. Nos cinco continentes,
há 34 milhões, apenas 6,6 milhões dos quais recebendo medicamentos. A cada ano
ocorrem 2,7 milhões de infecções novas. Lesoto, país africano com a terceira
prevalência mais alta do mundo, lançou em 2004 uma campanha nacional para
testar a população inteira. Até hoje, apenas metade dos adultos fizeram o
teste.
2) Os
testes anti-HIV não possuem sensibilidade para detectar o vírus nos primeiros
dias depois de adquiri-lo, quando a multiplicação rápida na corrente sanguínea
torna a transmissão mais provável. Cerca de um terço delas ocorre nessa fase
aguda.
3) Para a
estratégia ter êxito, os portadores devem tomar os medicamentos com
regularidade, durante muitos anos, rotina especialmente problemática no caso
dos assintomáticos, quando experimentam efeitos colaterais.
4)
Prescrever ARVs em grande escala aumenta o risco de tornar o vírus mais
resistente. Na África, a resistência do HIV entre os que recebem tratamento
aumenta a cada ano que passa.
5)
Confiar na atividade protetora dos ARVs poderia levar os portadores a adotar
práticas sexuais inseguras para seus parceiros.
6) Embora
menos da metade dos que precisariam tomar ARVs tenha acesso a eles, cerca de
dois terços dos U$ 7 bilhões anuais investidos no combate à epidemia são
consumidos apenas no custeio de programas de tratamento. Haveria recursos para
medicar todos?
Apesar
dessas objeções, a possibilidade de conter a epidemia com medicamentos deixou
de ser pensamento mágico. A revista "Science" considerou a prevenção
do HIV com antirretrovirais a mais importante de todas descobertas científicas
do ano passado.
Fonte: Drauzio Varella - Folha de S.Paulo