Resultado conquistado no
Instituto Adolfo Lutz teve eficácia semelhante à do medicamento padrão
utilizado contra a doença
Um
fármaco empregado na clínica veterinária para tratar determinadas parasitoses
demonstrou alta eficácia para o tratamento de leishmaniose visceral em modelos
animais, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Instituto
Adolfo Lutz, em São Paulo.
O estudo,
cujos resultados vão ser publicados em breve na revista Experimental
Parasitology, mostrou que a buparvaquona teve eficácia semelhante à do
medicamento padrão utilizado contra a leishmaniose, mas com dose 150 vezes
menor.
De acordo
com o coordenador da pesquisa, André Gustavo Tempone, do Instituto Adolfo Lutz,
já se sabia que a buparvaquona é um dos fármacos mais ativos contra a
leishmania no modelo in vitro, mas sua ação nunca havia sido reportada em
modelos in vivo. " Há grande expectativa de que esses resultados levem a
futuros testes em humanos, pois o medicamento já se mostrava muito eficaz em
testes in vitro. Só que em modelos animais sua ação era muito limitada, pois
havia um gargalo: a droga não chegava ao fígado e ao baço do animal, que é onde
ocorre a infecção pela leishmania" , disse Tempone.
Para
driblar o gargalo, os pesquisadores utilizaram lipossomas, vesículas esféricas
utilizadas para dirigir o fármaco de forma controlada com maior precisão à
célula infectada. "Com o carreador lipossomal, conseguimos pela primeira
vez demonstrar que é possível utilizar o medicamento para tratar a leishmaniose
visceral", destacou.
A
pesquisa foi realizada no âmbito do projeto "Combinações terapêuticas na
leishmaniose visceral: o potencial anti-leishmania de bloqueadores de canais de
cálcio e o uso de nanoformulações lipossomais" , que teve apoio da Fapesp
na modalidade Auxílio à Pesquisa - Regular e foi encerrado em julho de 2011.
O estudo
faz parte também da pesquisa de doutorado de Sandra Reimão, realizada com bolsa
da Fapesp sob a orientação de Tempone. Além de Reimão e Tempone, participaram
do artigo os pesquisadores Fábio Colombo e Vera Pereira-Chioccola, todos do
Departamento de Parasitologia do Instituto Adolfo Lutz.
Atualmente,
Tempone coordena o projeto " From trypanosomes to Leishmania: novel drug
candidates for the treatment of neglected parasitic diseases" , apoiado no
âmbito do acordo de cooperação científica Fapesp-King's College London.
Fórmula
mais simples
Segundo
Tempone, o novo trabalho é especialmente importante por se tratar de um estudo
de adaptação de fármacos já existentes. "Esse tipo de estudo, conhecido
como piggy-back chemotherapy, embora não traga inovação no aspecto de
descoberta de novas drogas, é importante do ponto de vista da saúde pública
devido à possibilidade de colocar fármacos no mercado com mais rapidez. Como se
trata de uma droga que já está no mercado, podemos dispensar, por exemplo, os
testes de toxicidade. Começamos assim a desenvolver a nova aplicação a partir
de uma fase mais avançada", explicou.
A
buparvaquona, segundo ele, é uma droga de uso clínico veterinário empregada
contra uma parasitose, principalmente na Europa. Sua atividade anti-leishmania
foi revelada pela primeira vez em um estudo publicado em 1992. No entanto, os
testes na ocasião foram feitos com a leishmaniose visceral provocada pela
Leishmania donovani, o parasita predominante em países como a Índia. No Brasil,
predomina a Leishmania chagasi.
"Essa
droga foi perseguida por muitos anos pelo pessoal da área de parasitologia, que
a tentava fazer funcionar, pois ela mostrava alta eficiência in vitro. O
ineditismo da nossa contribuição consistiu em fazer a droga funcionar em
modelos animais com a ajuda dos lipossomas", contou Tempone.
Os pesquisadores
utilizaram lipossomas convencionais, e não nanolipossomas, para que a formulação
fosse mais simples. "Pensamos nas necessidades da indústria, que poderá no
futuro produzir a droga. Por isso, tivemos a preocupação de fazer a formulação
mais simples possível, para facilitar o escalonamento", disse.
A
formulação utilizada incluiu o uso de um fosfolipídio modificado que confere um
direcionamento maior para a célula hospedeira, que na leishmaniose é o
macrófago, presente no fígado e baço do animal. "Utilizamos modelos de
hamsters infectados com a Leishmania chagasi. Essa formulação lipossomal levou
a droga ao fígado e ao baço dos animais. Ela mostrou que pode reduzir em 89% a
carga parasitária no baço e em 67% a carga de parasitas no fígado. O mais importante,
no entanto, é que para conseguir a mesma eficácia do glucantime, que é a droga
padrão contra a leishmaniose, utilizamos uma dose 150 vezes menor.
Graças à
tecnologia de PCR em tempo real, os pesquisadores conseguiram utilizar a
biologia molecular como ferramenta no laboratório. "Utilizando a PCR em
tempo real, conseguimos quantificar de forma precisa a ação de uma droga no
modelo animal. Isso tem facilitado muito nossos estudos sobre novos
fármacos", disse Tempone.
A partir
de agora, os pesquisadores trabalharão em novos estudos com modelos animais
para definir as melhores vias de administração, a posologia adequada e o tempo
de administração ideal. "Vamos investigar também os detalhes sobre a
dinâmica de biodistribuição lipossomal desse fármaco no modelo animal",
disse.
Fonte:
FAPESP