terça-feira, 14 de setembro de 2021

Associação entre inibidores da bomba de prótons (IBP) e câncer gástrico: o cardiologista deve conhecer esse risco

 Alguns estudos sugeriram uma associação entre o uso crônico de inibidores da bomba de prótons (IBP) e o diagnóstico de câncer gástrico, mas esses trabalhos sofreram críticas, principalmente por terem avaliado pacientes cuja indicação de uso de IBP era por sintomas gástricos, levantando a suspeita da causalidade reversa. Em outras palavras, os pacientes estudados já teriam câncer ou predisposição à doença por história de doença gástrica e, portanto, o IBP não teria associação com o diagnóstico.

Além disso, a associação não foi confirmada em ensaios clínicos randomizados e os estudos observacionais realizados apresentavam limitações importantes em termos de duração do acompanhamento e tamanho da amostra. Ora, os IBP estão entre os medicamentos mais prescritos em todo o mundo, portanto, é relevante avaliar se realmente aumentam o risco de câncer.

Um estudo usou uma estratégia engenhosa para contornar a limitação da causalidade reversa. Analisou pacientes em uso de terapia antiplaquetária dupla (ácido acetilsalicílico + inibidor P2Y12) que foram submetidos a intervenção coronariana percutânea (ICP) e receberam IBP profilático para evitar sangramento após o procedimento. Esses pacientes apresentam mais risco de sangramento gastrointestinal e a proteção com os IBP é frequentemente prescrita para eles.

O estudo

Foram coletados dados de mais de 13 mil pacientes submetidos à primeira ICP entre 2004 e 2017, em 14 hospitais públicos de Hong Kong. Os pacientes incluídos não usaram IBP nos 30 dias anteriores ao procedimento, sobreviveram um ano após a ICP e não tinham câncer conhecido. O desfecho primário foi diagnóstico de câncer gástrico pelo menos um ano após o procedimento.

Os usuários de IBP (N = 6.738; média de idade de 64 anos; ¾ do sexo masculino) foram definidos como aqueles que iniciaram o medicamento após a admissão hospitalar ou até 30 dias após a ICP, e mantiveram o uso contínuo por mais de seis meses. Esses pacientes foram pareados (1:1) com não usuários (N =; média de idade; sexo), definidos como aqueles que fizeram uso de IBP por menos de duas semanas em um ano após a ICP.

Em um acompanhamento médio de 7,1 anos a prevalência do diagnóstico de câncer gástrico entre os grupos foi de:

-não usuários: 7 (0,10%); 16,9 casos/100.000 pessoa-anos; três mortes (0,04%)

-usuários: 17 (0,25%); 60,2 casos/100.000 pessoa-anos; oito mortes (0,12%)

A associação entre o uso de IBP e o diagnóstico de câncer gástrico dependeu do tempo de uso: mais de um ano. Desse modo, os autores concluíram que houve uma associação significativa entre o uso crônico de IBP e o aumento do risco de câncer gástrico e morte pela doença em pacientes que receberam o medicamento como profilaxia para sangramento.

Implicações

O estudo é observacional e tem as limitações inerentes ao modelo, porém, o tamanho de amostra e o período de acompanhamento valorizam os achados. Além disso, a futura realização de um ensaio clínico randomizado de longo prazo é improvável.

A hipótese da associação é coerente com vários potenciais mecanismos carcinogênicos já descritos para os IBP que dependem da duração do uso desses fármacos.

Então qual é a implicação para o cardiologista?

Diretrizes recomendam a profilaxia com IBP para pacientes em terapia antiplaquetária dupla que apresentam alto risco de sangramento gastrointestinal, especialmente idosos, pacientes com dispepsia, refluxo gastresofágico e/ou consumo abusivo de álcool. 

É verdade que o tempo de uso do ácido acetilsalicílico (e, portanto, da terapia antiplaquetária dupla) vem sendo reduzido após a ICP, porém, na realidade, nós, cardiologistas, prescrevemos IBP para muitos pacientes submetidos ao procedimento e mantemos o tratamento por longos períodos. O estudo de Hong Kong aconselha avaliar criteriosamente os riscos e benefícios do uso crônico de IBP, com revisões periódicas e prescrição das menores doses e pelo menor período possível. Uma opção é o uso intermitente, na dependência do surgimento de sintomas – o que considero um ótimo conselho, porque onde há fumaça, há fogo!

Por Dr. Mauricio Wajngarten em Medscape

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