As bactérias Staphylococcus aureus, vulgarmente chamadas de estafilococo, foram identificadas em 1880 como as causadoras de infecções dolorosas da pele, cujos sintomas incluíam o amolecimento de tecidos e furúnculos. Nos casos mais graves, causavam pneumonia e infecções sanguíneas que podiam ser fatais. Apenas em 1940, a medicina passou a contar com um tratamento eficaz contra o micro-organismo, mas o uso indiscriminado e excessivo da droga favoreceu uma seleção de bactérias imunes não só à penicilina, mas também à meticilina, outro tipo de antibiótico.

Agora, um estudo publicado na revista Science Translational Medicine por cientistas dos Laboratórios de Pesquisa Merck, nos Estados Unidos, apresenta uma alternativa para tratar o mal: tarocin A e tarocin B, dois componentes químicos que restabelecem a eficiência dos antibióticos beta-lactâmicos, classe da qual fazem parte a penicilina e a meticilina.
União
Na primeira etapa da pesquisa, a equipe liderada por Terry Roemer fez uma triagem de substâncias que bloqueiam a enzima bacteriana responsável por desencadear a produção de ácido teicoico, componente da estrutura do micro-organismo que promove resistência à ação dos medicamentos, chegando aos dois compostos sintéticos
Os cientistas testaram, então, os tarocins em culturas de bactérias. Nenhum dos dois teve efeitos sobre o crescimento de MRSA em cultura, revelando-se ineficientes quando administrados sozinhos. No entanto, experimentos com ratos infectados com a bactéria mostraram que a combinação dos compostos com antibióticos beta-lactâmicos foram capazes de eliminar várias estirpes resistentes da bactéria, impedindo a morte dos animais.
“A identificação e a caracterização de tarocins demonstram que encontrar novos alvos e inibidores capazes de restaurar a suscetibilidade da MRSA e da MRSE (Staphylococcus epidermidis resistente à meticilina) aos antibióticos beta-lactâmicos poderia ser uma estratégia geral para combater a resistência de bactérias gram-positivas. Mecanicamente, os tarocins redefinem a suscetibilidade de estafilococos à meticilina, antagonizando os múltiplos aspectos da biossíntese da parede celular, o que compromete a força física da bactéria”, explica Roemer.
Alternativas
Considerando que o desenvolvimento de um novo antibiótico pode levar uma década — desde a pesquisa básica até sua chegada ao mercado —, Celso Vataru Nakamura, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, considera valiosos os achados da pesquisa de Roemer. Grande parte dos novos estudos, Nakamura acrescenta, busca formas de enfraquecer a estrutura que as bactérias desenvolveram para degradar os antibióticos e se manterem blindadas dos tratamentos.
“A penicilina possui um anel beta-lactâmico que degrada a parede celular da bactéria. As que adquiriram resistência desenvolveram uma enzima que quebra o anel e, assim, neutralizam a ação do antibiótico. Hoje, existem tratamentos com penicilina associada a outros compostos, como o carbapenem, que resiste à ação das beta-lactamases, enzimas que inibem a ação do medicamento. Isso permite que o micro-organismo volte a ser sensível à ação da droga”, completa o farmacêutico, especialista em ciências biológicas e da saúde.
Existe a chance de as bactérias ficarem resistentes à combinação de tarocins e antibióticos, mas os autores consideram a possibilidade remota, devido a particularidades do composto e da constituição genética da bactéria. No estudo, por exemplo, não foi detectada nenhuma colônia de bactérias resistentes ao novo tratamento. No entanto, caso uma resistência surja, será possível contorná-la com a adição de outro inibidor potente da produção de ácido teicoico, o L-638. “Em conclusão, tarocins são uma importante nova classe de produtos químicos sintéticos não bioativos que são mecanicamente adequados para servir como adjuvantes de antibióticos beta-lactâmicos existente, restaurando, assim, a eficácia terapêutica dessa importante classe de antibióticos contra estafilococos resistente à meticilina”, aposta Roemer.
Palavra de especialista
Benefício futuro
“O Brasil não sofre com as bactérias gram-positivas, como a MRSA. Nosso problema são as gram-negativas e, para MRSA, temos boas opções com qualidade para tratamento. Os Estados Unidos já sofreram com as gram-negativas e, agora, parece elas estão voltando a atacar por lá. Para essa classe, temos uma proteína que inibe a enzima beta-lactamase, mas opções semelhantes não existem para as MRSA. O que esses pesquisadores encontraram foi uma alternativa para inibir essa enzima que prejudica os antibióticos nas gram-positivas. Por não sofrermos com gram-positivas, os brasileiros podem pensar que não se beneficiariam tanto de estudos nesta linha, mas estão enganados, pois essa estirpe deve chegar ao nosso país futuramente. Então, imediatamente, a descoberta não tem aplicação para nossa medicina, mas, futuramente, terá com certeza.”
Com informações Werciley Júnior, coordenador de Infectologia do Hospital Santa Lúcia - Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário