Malária benigna e malária maligna
Em razão dos grandes investimentos em pesquisa e
desenvolvimento de vacinas realizados por instituições filantrópicas
internacionais, avançou-se muito nos últimos anos no conhecimento sobre o Plasmodium
falciparum - uma das principais espécies causadoras de malária.
Já estudos sobre a espécie Plasmodium vivax -
responsável por 85% dos casos de malária registrados no Brasil e 50% dos na
Ásia - ficaram relegados a segundo plano.
Diferentemente do Plasmodium falciparum,
o P. Vivax não causa mortalidade, supostamente não é
resistente às drogas e é impossível cultivá-lo em laboratório, o que dificulta
a pesquisa de sua biologia.
Nos últimos dez anos, no entanto, começaram a
surgir no mundo inteiro - inclusive no Brasil - casos de pacientes
diagnosticados com malária causada por P. Vivax que começaram
a apresentar complicações de saúde e, em alguns casos, chegaram a óbito.
A fim de aumentar a compreensão sobre o parasita -
até então considerado benigno -, grupos de pesquisa na Austrália, nos Estados
Unidos, em Cingapura e no Brasil estão se voltando para seus estudos.
Os esforços de pesquisa, no entanto, estão aquém do
necessário, alertam os malariologistas.
"É preciso aumentar os investimentos em
pesquisa sobre Plasmodium vivax porque se sabe pouquíssimo sobre
ele no mundo, em parte em razão das dificuldades técnicas para estudá-lo, como
a impossibilidade de cultivo," disse Fábio Trindade Maranhão Costa,
professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). "Cada vez mais tem aumentado a letalidade do parasita e já foi
reportado que ele apresenta quimiorresistência [resistência a fármacos]."
Similaridades entre vivax e falciparum
De acordo com Fábio, os primeiros casos de
agravamento de quadro clínico de pacientes com malária causada por Plasmodium
vivax no Brasil foram relatados por pesquisadores da Fundação de
Medicina Tropical de Manaus (Amazonas) - cidade que, com Porto Velho (Rondônia)
e Cruzeiro do Sul (Acre), é responsável por 20% dos casos de malária no país.
De modo a conseguir obter amostras do parasita dos
pacientes e poder fazer ensaios no prazo máximo de 48 horas - o tempo de vida
do patógeno fora do hospedeiro -, o pesquisador iniciou há quatro anos uma
colaboração com o grupo de Manaus.
Uma das descobertas feitas pelo grupo foi que,
apesar de o Plasmodium vivax ser genética e morfologicamente muito
diferente do Plasmodium falciparum, eles possuem algumas
características de patogênese similar.
Os pesquisadores brasileiros demonstraram que o
parasita também tem a capacidade de aderir aos endotélios pulmonar e cerebral e
à placenta.
"Essa descoberta foi muito importante porque,
até então, havia um entendimento de que só o Plasmodium falciparum poderia
ter essa capacidade adesiva porque apenas ele é letal", afirmou Fábio.
"Percebemos também que, apesar das
complicações de saúde causadas por eles serem em um determinado momento
parecidas, de modo geral, os fatores que causam essas complicações parecem ser
bastante distintos", afirmou.
Diferenças entre vivax e falciparum
Segundo Fábio, uma das diferenças entre os dois parasitas
é que, quando se trata rápido o paciente com malária causada por Plasmodium
falciparum, é possível controlar indiretamente a transmissão da doença. Já
no caso de malária causada por Plasmodium vivax, não.
Dessa forma, é possível diminuir significativamente
os casos de malária por Plasmodium falciparum. No caso da doença causada
por Plasmodium vivax, não se pode controlá-la na mesma proporção,
mesmo se houver um bom atendimento médico.
"Isso faz com que no Brasil, onde o
atendimento médico vem melhorando ao longo dos anos, a maioria dos casos atuais
de malária seja causada por Plasmodium vivax", explicou Fábio.
Na Ásia, de acordo com o pesquisador, o Plasmodium
vivax é responsável por cerca da metade dos casos de malária na
região. A tendência, no entanto, é que ele supere o número de casos da doença
por Plasmodium falciparum.
"Existe malária causada por Plasmodium
vivax, por exemplo, na fronteira entre a Coreia do Norte e a do Sul, ao
lado do Japão", disse Fábio. A transmissão do parasita pode ocorrer em
temperaturas mais amenas, além de apresentar formas dormentes no fígado.
Vacina contra malária
Atualmente, o grupo de pesquisadores brasileiros
investiga outras características de patogênese do Plasmodium vivax e
a relação de alguns aspectos com a biologia do parasita, o que inclui sua
infectividade.
Algumas das questões para as quais eles pretendem
encontrar respostas é qual a relação com a capacidade do parasita aderir aos
endotélios pulmonar e cerebral e à placenta e sua biologia.
"O Plasmodium falciparum, por
exemplo, infecta qualquer célula do sangue. Já o Plasmodium vivax infecta
só os eritrócitos jovens, que nós chamamos de reticulócitos", comparou
Fábio.
Recentemente, os cientistas, em colaboração com
colegas de Cingapura, conseguiram desenvolver uma metodologia capaz de fazer
com que, quando o parasita rompe a célula consiga penetrar em outro
reticulócito.
Os resultados do estudo foram publicados na revista Blood e
podem auxiliar no desenvolvimento de uma vacina para tratamento da malária
causada por Plasmodium vivax.
"Algumas das questões que estudamos tem
aplicabilidade direta no desenvolvimento de uma vacina que seria capaz de
inibir essa penetração do reticulócito pelo Plasmodium
vivax e quais moléculas fazem parte deste processo", disse Fábio.
Em locais com casos de malária por Plasmodium
vivax, a doença é tratada com medicamentos diferentes. No Brasil, o
tratamento preconizado é com cloroquina. A droga, no entanto, não é mais
utilizada para o tratamento de malária causada por Plasmodium
falciparum porque o patógeno apresenta quimiorresistência a ela.
"A cloroquina é uma droga barata, conhecida,
bem estudada e que, inclusive, tem aplicabilidade contra infecções
virais", disse Fábio.
"Como ela foi utilizada amplamente no
pós-guerra, de maneira não controlada, no entanto, o Plasmodium
facilparum apresenta quimiorresistência a ela", explicou.
Fonte:
Fapesp