Testes
pré-clínicos feitos na Universidade de São Paulo (USP) revelaram que um
composto extraído da pariparoba (Pothomorphe umbellata), arbusto
originário da Mata Atlântica, é capaz de inibir o desenvolvimento do melanoma e
impedir que as células tumorais invadam a camada mais profunda da pele e se
espalhem para outros tecidos.
A
molécula, batizada de 4-nerolidilcatecol (4-NC), foi testada em um modelo de
pele artificial durante o doutorado de Carla Abdo Brohem,
realizado no Departamento de Análises Clínicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas
(FCF-USP).
A equipe
já iniciou a etapa de testes em animais. Os resultados estão em artigo
publicado na
revista Pigment Cell & Melanoma Research.
Segundo
Silvya Stuchi Maria-Engler, coordenadora do estudo, o melanoma é a forma mais
agressiva de câncer de pele e tem origem nas células produtoras de pigmentos,
os melanócitos. Dados da literatura científica indicam que de 20% a 25% dos
diagnosticados com a doença morrem.
“Se
tratado na fase inicial, as chances de cura são altas. Mas quando ele se torna
metastático o tempo de sobrevida é curto, em torno de oito meses, pois o tumor
é muito resistente às drogas existentes. Medicamentos novos, portanto, são
bem-vindos”, disse.
O
composto 4-NC, encontrado no extrato da raiz da pariparoba, já havia
demonstrado em estudos anteriores um potente efeito antioxidante, capaz de
proteger a pele dos danos causados pela radiação solar. Essa outra pesquisa, foi coordenada pela professora
Silvia Berlanga de Moraes Barros, da FCF-USP.
Em 2004,
uma formulação em gel contendo extrato de raiz de pariparoba foi patenteada
para uso cosmético para prevenção do câncer de pele.
Testes
posteriores, em culturas de células tumorais, demonstraram que o 4-NC era capaz
de induzir a morte celular. “Mesmo que ele não se prove eficaz contra o
melanoma nas demais etapas da pesquisa, o composto tem diversas qualidades.
Podemos avaliá-lo contra outros tipos de câncer”, disse Stuchi
Agora, no
modelo de pele em 3D, o 4-NC impediu que as células tumorais migrassem da
epiderme para a derme. “A molécula já passou por exames de toxicidade em
animais. Se também for aprovadas na avaliação de eficácia, poderá ser testada
em humanos”, contou Berlanga.
Desdobramentos
A pele
artificial usada no experimento é resultado do projeto "Geração
de peles artificiais humanas e melanomas invasivos como plataforma para testes
farmacológicos",
coordenado por Stuchi e financiado pela FAPESP.
“A gente
chama de artificial, mas se trata de pele humana reconstruída em laboratório”,
explicou. Tudo começa com um fragmento de pele doado após cirurgia plástica,
que a equipe recebe graças a parcerias com o Hospital Universitário e com o
Hospital das Clínicas.
Os
cientistas então isolam os constituintes básicos da pele – fibroblastos,
queratinócitos e melanócitos – e os armazenam em um biobanco. “No momento em
que precisamos testar uma nova molécula, remontamos esses elementos e
construímos um tecido muito semelhante à pele humana”, contou Stuchi.
Além dos
estudos com o 4-NC, a pesquisa tem outros desdobramentos. Em um deles, células
do sistema imunológico estão sendo acrescentadas ao modelo de pele artificial,
deixando-o ainda mais completo. “Dessa forma, além de testar a toxicidade e a
eficácia de um novo composto, poderemos avaliar se ele tem potencial para causar
alergia ou irritação”, explicou.
Em outra
vertente, os pesquisadores simulam in vitro as condições de
uma pele envelhecida.“Com o passar dos anos, resíduos de glicose se depositam
sobre as proteínas, como por exemplo o colágeno. Isso desorganiza a matriz
extracelular que compõe a camada dérmica da pele, causando rugas e flacidez”,
disse Stuchi.
Esse
problema, acrescentou, ocorre de forma mais evidente na pele de pacientes
diabéticos e tornam mais difícil a cicatrização de feridas. O modelo de pele
envelhecida, portanto, permitirá testar a ação de cosméticos antirugas e de
medicamentos para a pele de diabéticos.
“Nosso
objetivo, a longo prazo, é realizar transplante de pele para tratar feridas
crônicas e queimaduras”, disse. A equipe da FCF-USP também está estudando o
desenvolvimento do melanoma no modelo de pele envelhecida e no modelo de pele
imunocompetente.
A
vantagem das pesquisas feitas com pele artificial é a redução no uso de
cobaias, além de ser um tecido mais semelhante ao humano. No caso dos
cosméticos, é possível eliminar totalmente os testes em animais.
Na Europa
e nos Estados Unidos são vendidos kits de pele artificial para a indústria
cosmética e farmacêutica. No Brasil, as empresas precisam enviar suas moléculas
para serem testadas no exterior, embora o país já possua a tecnologia.
“Fomos
procurados por diversas empresas, mas não temos condições de realizar esse serviço
como rotina. Para isso, seria preciso grande investimento em equipamentos e
treinamento de profissionais”, disse Stuchi. Até o momento, a equipe fez uma
parceria com a empresa Johnson & Johnson para avaliar a eficácia e
segurança de um produto para a saúde.
Por Karina Toledo