Poucos remédios para dor parecem mais inocentes do que o paracetamol (mais
conhecido como Tylenol, um de seus nomes comerciais), mas exagerar um pouco ao
tomar a droga de modo contínuo pode levar a danos severos no fígado, e até à
morte.
O dado
vem de um levantamento com pacientes no Reino Unido, país que, junto com os
EUA, tem um problema sério com overdoses de paracetamol -entre os britânicos, o
medicamento é a principal causa de falência hepática (do fígado) repentina. No
Brasil, há poucos relatos sobre o problema.
"Nos
EUA, no Reino Unido e em alguns outros países da Europa, a gente vê que a
maioria desses casos tem a ver com tentativas de suicídio [nas quais a pessoa
toma uma dose única muito alta do medicamento]", explica a médica Edna
Strauss, da diretoria da Sociedade Brasileira de Hepatologia.
A nova
pesquisa, publicada na revista especializada "British Journal of Clinical
Pharmacology", avaliou quase 700 pacientes que foram parar na Unidade
Escocesa de Transplante de Fígado, em Edimburgo, com lesões hepáticas severas
ligadas ao uso do medicamento.
De fato,
a maioria deles tinha tomado doses altas de um só golpe, mas uma minoria
significativa (um quarto dos pacientes) tomou o que os pesquisadores, liderados
por Darren Craig, chamam de "staggered overdose" - algo que poderia
ser traduzido como "overdose a conta-gotas".
A maioria
dos pacientes nesse grupo usava o medicamento para alívio de dores comuns, como
as abdominais, musculares, de cabeça e de dentes, por exemplo.
O que os
pesquisadores viram é que, embora a dosagem usada por esses pacientes variasse,
e que o total de paracetamol ingerido fosse inferior ao verificado nas
overdoses "clássicas", a média diária ainda assim ficava acima de 4 g
por paciente. (Cada comprimido costuma ter entre 0,5 g e 0,75 g no Brasil.)
E essa é
justamente a dose considerada perigosa hoje pelos hepatologistas. Acima dela, o
organismo não consegue mais "limpar" resíduos perigosos derivados do
paracetamol, o que acaba destruindo as células do fígado.
"Sobre
a toxicidade do paracetamol, não se pode dizer que o trabalho inova, esse valor
já está bem estipulado na literatura", diz Strauss.
Para a
hepatologista, a novidade do trabalho está em demonstrar que, nesse grupo da
overdose "escalonada", o risco de complicações e de morte acaba sendo
maior.
Para os
autores da pesquisa, isso ocorre porque o dano vai acontecendo de forma mais
lenta, devagar e sempre, e é mais difícil de detectar.
Em julho,
um painel de consultores da FDA (agência que regula fármacos e alimentos nos
EUA) recomendou mudanças nas instruções dadas aos pais quando eles ministram
paracetamol aos filhos. O objetivo é justamente minimizar o risco de
superdosagens perigosas.
Para
Strauss, até pacientes com problemas no fígado podem receber a droga, desde que
na dose correta.
Fonte: Reinaldo José Lopes - Folha de S.Paulo