Dois anos após
a gigante farmacêutica Roche prometer à revista científica British Medical Journal (BMJ) que liberaria dados dos testes
com o Tamiflu para uma avaliação independente, a
segurança e a eficácia desse medicamento anti-influenza continua incerto.
Um novo
relatório, lançado pela Colaboração Cochrane, afirma que a recusa da Roche em
fornecer acesso a todos os seus dados deixa sem solução questões críticas sobre
a eficácia da droga.
Uma
investigação feita pelo BMJ, publicado para coincidir com o relatório divulgado
agora pela Cochrane, também levanta sérias preocupações sobre o acesso a dados
sobre medicamentos, o uso dos chamados escritores-fantasma (ghost writers) nos testes de
medicamentos, e sobre o processo de aprovação de medicamentos.
Enquanto isso,
o Tamiflu se tornou o tratamento básico para a influenza.
Ele também entrou para a lista de Medicamentos Essenciais da Organização
Mundial da Saúde, e as alegações da Roche [sobre a eficácia do Tamiflu]
continuam sendo apoiadas por agências de saúde influentes.
Os
pesquisadores da Cochrane queriam testar a alegação da Roche de que o Tamiflu
previne complicações e reduz o número de pessoas que exigem tratamento
hospitalar.
Mas a
investigação foi tolhida pela recusa da Roche em fornecer todos os dados de
seus estudos clínicos para análise.
A equipe
obteve alguns relatórios de estudos clínicos da Agência Europeia de
Medicamentos (EMA: European
Medicines Agency), mas encontrou inconsistências com os relatórios
publicados e uma possível sub-publicação de efeitos colaterais.
Quando
questionada anteriormente pelo BMJ, a Roche também admitiu que alguns dos
artigos publicados tinham usado escritores-fantasma.
A investigação
do BMJ revelou como diferentes agentes regulamentadores abordam os dados que lhes
são submetidos, levando a mensagens conflitantes sobre sua eficácia.
Por exemplo, a
EMA liberou uma parte dos relatórios de estudos relativos aos testes clínicos
do Tamiflu para a Cochrane, mas o órgão admite que não solicitou o restante dos
dados ao fabricante, embora ela seja legalmente autorizada a fazer isto.
Na ocasião, a
EMA afirmou ao BMJ que planeja começar a publicar relatórios para todas as
drogas submetidas para aprovação nos próximos anos.
"Nós
esperamos muito que a EMA de fato adote essa providência importante, tornando
públicos os estudos completos. Mas nós continuamos muito longe de ter um
histórico completo dos testes para todas as drogas em uso clínico. A segurança
pública e o uso adequado do dinheiro público exigem que nós não admitamos nada
menos do que isso," disse a Dra. Fiona Godlee, editora do BMJ.
Enquanto isso,
a FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos, que
provavelmente revisou o programa de testes do Tamiflu em mais detalhes do que
nenhum outro fora da Roche, optou por não revisar o maior teste clínico do
Tamiflu já feito quando analisou a droga com vistas à sua aprovação.
A agência
norte-americana afirmou que o "Tamiflu parece não prevenir tais
complicações [infecções bacterianas graves]."
Entretanto, os
Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs) dos Estados Unidos continuam
a citar testes publicados do Tamiflu, alegando uma redução no risco de
complicações da influenza, mesmo depois que a Roche admitiu que alguns desses
testes foram escritos por escritores-fantasmas [um escritor cujo trabalho é
comprado].
"As
discrepâncias entre as conclusões tiradas por diferentes órgãos de
regulamentação ao redor do mundo salientam a situação absurda em que nos
encontramos. Em um mundo globalizado, os reguladores devem cooperar e congregar
seus recursos limitados. De outra forma, nós continuaremos a desperdiçar
dinheiro e colocar em risco a saúde das pessoas usando drogas que não
funcionam," diz a Dra Godlee.
A investigação
também levantou questões sobre os efeitos clínicos do Tamiflu.
Depois de uma
avaliação cuidadosa dos dados dos testes, o grupo Cochrane afirma que o Tamiflu
parece afetar a produção de anticorpos - uma alegação que a Roche não aceita.
Isto é
importante, afirmam os pesquisadores da Cochrane, porque a vacinação contra a
influenza depende de uma resposta de anticorpos para ser efetiva.
Mas, quando
questionada pela Cochrane, a Roche se recusou a explicar como a droga funciona.
Desta forma, o
grupo da Cochrane afirma que, "até que se saiba mais sobre o modo de ação
dos inibidores de neuramidase, os profissionais de saúde, os pacientes e outros
tomadores de decisão precisam refletir sobre as descobertas desta revisão antes
de tomar qualquer decisão sobre o uso dessa droga."
O grupo da
Cochrane também argumenta que a capacidade do Tamiflu para evitar a
disseminação da influenza não foi demonstrada nos testes.
Ainda assim,
esta é uma das principais razões pelas quais os governos ao redor do mundo têm
gasto bilhões de dólares fazendo estoques de Tamiflu para o caso de uma
pandemia.
A Roche afirma
que forneceu à equipe Cochrane informações suficientes para a realização de sua
avaliação, mas a equipe Cochrane afirma que isto não ocorreu.
"No
exemplar de Dezembro de 2009 do BMJ, a Roche prometeu relatórios completos para
quaisquer pesquisadores legítimos. Eles não forneceram um único relatório à
Cochrane, apesar de nossas repetidas solicitações," afirma o
Dr. Peter
Doshi, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
Por: Deborah Cohen – BM