domingo, 13 de novembro de 2011

Vacina previne 65% de câncer de colo de útero na América Latina


Pesquisas mostram que 80% da população teve, tem ou terá contato com o vírus HPV, o papiloma, mas nem todos vão sofrer as consequências da infecção, que pode causar câncer, especialmente colo de útero. A prevenção é a melhor saída e já existe até vacina para isso.


 O que é HPV?

CLÁUDIA JACYNTHO (Ginecologista): É o vírus do papiloma humano. Há mais de 200 tipos destes identificados. Cerca de 40 com grande atração pela área anogenital (pertencente à região do anus e dos órgãos genitais). Os HPV 16 e 18 são os mais prevalentes nas lesões pré cancerosas e nos cânceres de colo uterino. Eles são necessários na gênese do câncer, mas sozinhos nada conseguem. Não há câncer só com um HPV. É necessário ter infecção persistente por um ou mais HPV de alto risco para desenvolver um câncer. Outros fatores contribuem para o desenvolvimento da doença como uma resposta imunológica inadequada, mutação em genes guardiões do genoma das células hospedeiras, para que eles não reconheçam células doentes e as matem (o fumo faz esta mutação, dentre outros fatores), além de cofatores infecciosos, físicos, químicos e genéticos. Outras doenças sexualmente transmissíveis (DST), múltiplos parceiros sem preservativos, doenças e drogas - que comprometam a resposta imunológica - e falta de vitamina A, são fatores que contribuem para o surgimento da doença. Enfim, ter a infecção por um HPV de alto risco está longe de se afirmar que o indivíduo terá câncer. É fato científico que 80% da população geral teve, tem ou terá contato com um HPV um dia. Mas ter câncer induzido por eles é para quem tem cofatores e pra quem não faz prevenção, já que é um câncer que pode ser prevenido.

Como se prevenir?

CLÁUDIA: A transmissão dos HPV genitais se dá muito pela via sexual, claro, são HPV com tropismo, isto é, atração pelos órgãos anogenitais, mas não são apenas sexualmente transmissíveis. Além da transmissão intra-uterina, a contaminação pode ocorrer por objetos contaminados no meio ambiente, embora não saibamos quanto tempo permanecem contaminantes no meio ambiente, porque são vírus não cultiváveis, impossibilitando conhecer seu ciclo de vida completo. Seu DNA já foi isolado em virgens e crianças sem história de abuso sexual, assim como nos olhos, nas mamas e em outras partes do corpo que não anogenitais. É preciso parar com a ideia de vírus do câncer pelo sexo. É DST sim, mas longe de ser só DST. Existem outros tipos de HPV, como os que fazem verrugas vulgares nos dedos das crianças, por exemplo, que são transmitidos pelo contato pele/pele ou pele/mucosa, dedo pra perna, pra dedo.

Quais são os sintomas?

CLÁUDIA: Prevenção se faz com exame preventivo de Papanicolau, de preferência todo ano, para que o próprio exame tire o erro dele, já que varia de 3% a 40% a taxa de falsos negativos para acusar a lesão pré-câncer induzida por HPV e cofatores. Fazendo o exame todo ano, diminui o risco de erro e pode-se achar a lesão a tempo de tratar. Se não tem Papanicolau ou citopatologista competente, ou se este tem alto custo como na Europa, usa-se biologia molecular para triar quem precisa de Papanicolau anual. Nos grandes centros do Brasil temos bons citopatologistas e o custo do exame é baixo. Não temos que imitar americanos, temos que organizar o programa de prevenção e descentralizar para adequar à realidade de cada local, já que somos um país continental heterogêneo. Temos que aumentar a cobertura populacional e não mexer no grupo que já faz seu preventivo anual, com excelentes resultados. Papanicolau de boa qualidade, realizado anualmente, previne mais que as vacinas. Vacina mais Papanicolau é melhor, claro. Vacina sozinha deve prevenir 65% de câncer de colo na América Latina, enquanto o Papanicolau anual de boa qualidade chega a 95%. Os dois juntos se aproximam de cem por cento, mas as vacinas ainda são caras. E quem mais as merece é a população que não tem acesso ao Papanicolau de boa qualidade ou a nenhum Papanicolau, os mais pobres. E não é isto que vemos. Quem se vacina mais no Brasil é a classe abastada, que já faz preventivo anual. O governo deve pensar em vacinar na rede pública, quando chegarem a um acordo econômico. Algumas cidades já fazem. Deve-se começar a vacinar de 9 ou 10 anos para cima, de acordo com a verba disponível, podendo chegar aos 45 anos. De 12 a 25 anos podemos priorizar por enquanto. São eficazes para os 2 HPV mais frequentemente associados ao câncer de colo, 16 e 18, e são seguras, mas ainda caras. Quando são HPV das verrugas, os sintomas, ou melhor, os sinais são as próprias. Quanto às lesões pré cancerosas do colo, são assintomáticas, tem que fazer preventivo de Papanicolau e, se este alterar, ir para Colposcopia. O diagnóstico das lesões induzidas por HPV e cofatores no colo é feito pelo velho tripé clássico citologia de Papanicolau, colposcopia e histopatologia da biópsia. Os exames de biologia molecular para identificar o HPV só dizem o risco da mulher acima de 30 anos para ter ou não uma lesão e não diagnosticam a lesão. Dizem se ela precisa fazer Papanicolau anual ou se pode espaçar o exame. E é caro, não procede se na região tem bom Papanicolau. No Brasil é muito mais caro que Papanicolau, melhor ir direto pra Papanicolau onde tem, é bom e mais barato. Mais de 20 milhões de brasileiras fazem Papanicolau anual e não temos que mudar isto. É um time que ganha. Temos que dar Papanicolau de bom padrão ou biologia molecular nos bolsões do Brasil onde não tem o exame ou é de baixo padrão, as triando para fazê-lo em centro próximo, pois são estas as mulheres em grande risco, porque não fazem prevenção. Estas são também as que mais precisam de vacinas. Idealmente os parceiros de mulheres com formas infectantes da doença deveriam ser examinados. Cabe ao médico definir estas formas e encaminhá- los. Mas não esqueçamos que o maior problema de saúde pública deste país não são eles, mas aquelas que nunca fizeram um só preventivo de Papanicolau na vida.

Jornalista: Antônio Marinho - O Globo Online