Pesquisas mostram que 80% da população teve, tem ou terá
contato com o vírus HPV, o papiloma, mas nem todos vão sofrer as consequências
da infecção, que pode causar câncer, especialmente colo de útero. A prevenção é
a melhor saída e já existe até vacina para isso.
O que é HPV?
CLÁUDIA JACYNTHO (Ginecologista): É o vírus do papiloma
humano. Há mais de 200 tipos destes identificados. Cerca de 40 com grande
atração pela área anogenital (pertencente à região do anus e dos órgãos
genitais). Os HPV 16 e 18 são os mais prevalentes nas lesões pré cancerosas e
nos cânceres de colo uterino. Eles são necessários na gênese do câncer, mas
sozinhos nada conseguem. Não há câncer só com um HPV. É necessário ter infecção
persistente por um ou mais HPV de alto risco para desenvolver um câncer. Outros
fatores contribuem para o desenvolvimento da doença como uma resposta
imunológica inadequada, mutação em genes guardiões do genoma das células
hospedeiras, para que eles não reconheçam células doentes e as matem (o fumo
faz esta mutação, dentre outros fatores), além de cofatores infecciosos,
físicos, químicos e genéticos. Outras doenças sexualmente transmissíveis (DST),
múltiplos parceiros sem preservativos, doenças e drogas - que comprometam a
resposta imunológica - e falta de vitamina A, são fatores que contribuem para o
surgimento da doença. Enfim, ter a infecção por um HPV de alto risco está longe
de se afirmar que o indivíduo terá câncer. É fato científico que 80% da
população geral teve, tem ou terá contato com um HPV um dia. Mas ter câncer
induzido por eles é para quem tem cofatores e pra quem não faz prevenção, já
que é um câncer que pode ser prevenido.
Como se prevenir?
CLÁUDIA: A transmissão dos HPV genitais se dá muito pela via
sexual, claro, são HPV com tropismo, isto é, atração pelos órgãos anogenitais,
mas não são apenas sexualmente transmissíveis. Além da transmissão
intra-uterina, a contaminação pode ocorrer por objetos contaminados no meio
ambiente, embora não saibamos quanto tempo permanecem contaminantes no meio
ambiente, porque são vírus não cultiváveis, impossibilitando conhecer seu ciclo
de vida completo. Seu DNA já foi isolado em virgens e crianças sem história de
abuso sexual, assim como nos olhos, nas mamas e em outras partes do corpo que
não anogenitais. É preciso parar com a ideia de vírus do câncer pelo sexo. É
DST sim, mas longe de ser só DST. Existem outros tipos de HPV, como os que
fazem verrugas vulgares nos dedos das crianças, por exemplo, que são
transmitidos pelo contato pele/pele ou pele/mucosa, dedo pra perna, pra dedo.
Quais são os sintomas?
CLÁUDIA: Prevenção se faz com exame preventivo de Papanicolau,
de preferência todo ano, para que o próprio exame tire o erro dele, já que
varia de 3% a 40% a taxa de falsos negativos para acusar a lesão pré-câncer
induzida por HPV e cofatores. Fazendo o exame todo ano, diminui o risco de erro
e pode-se achar a lesão a tempo de tratar. Se não tem Papanicolau ou
citopatologista competente, ou se este tem alto custo como na Europa, usa-se
biologia molecular para triar quem precisa de Papanicolau anual. Nos grandes
centros do Brasil temos bons citopatologistas e o custo do exame é baixo. Não
temos que imitar americanos, temos que organizar o programa de prevenção e
descentralizar para adequar à realidade de cada local, já que somos um país
continental heterogêneo. Temos que aumentar a cobertura populacional e não
mexer no grupo que já faz seu preventivo anual, com excelentes resultados.
Papanicolau de boa qualidade, realizado anualmente, previne mais que as
vacinas. Vacina mais Papanicolau é melhor, claro. Vacina sozinha deve prevenir
65% de câncer de colo na América Latina, enquanto o Papanicolau anual de boa
qualidade chega a 95%. Os dois juntos se aproximam de cem por cento, mas as
vacinas ainda são caras. E quem mais as merece é a população que não tem acesso
ao Papanicolau de boa qualidade ou a nenhum Papanicolau, os mais pobres. E não
é isto que vemos. Quem se vacina mais no Brasil é a classe abastada, que já faz
preventivo anual. O governo deve pensar em vacinar na rede pública, quando
chegarem a um acordo econômico. Algumas cidades já fazem. Deve-se começar a
vacinar de 9 ou 10 anos para cima, de acordo com a verba disponível, podendo
chegar aos 45 anos. De 12 a 25 anos podemos priorizar por enquanto. São
eficazes para os 2 HPV mais frequentemente associados ao câncer de colo, 16 e
18, e são seguras, mas ainda caras. Quando são HPV das verrugas, os sintomas,
ou melhor, os sinais são as próprias. Quanto às lesões pré cancerosas do colo,
são assintomáticas, tem que fazer preventivo de Papanicolau e, se este alterar,
ir para Colposcopia. O diagnóstico das lesões induzidas por HPV e cofatores no
colo é feito pelo velho tripé clássico citologia de Papanicolau, colposcopia e
histopatologia da biópsia. Os exames de biologia molecular para identificar o
HPV só dizem o risco da mulher acima de 30 anos para ter ou não uma lesão e não
diagnosticam a lesão. Dizem se ela precisa fazer Papanicolau anual ou se pode
espaçar o exame. E é caro, não procede se na região tem bom Papanicolau. No
Brasil é muito mais caro que Papanicolau, melhor ir direto pra Papanicolau onde
tem, é bom e mais barato. Mais de 20 milhões de brasileiras fazem Papanicolau
anual e não temos que mudar isto. É um time que ganha. Temos que dar
Papanicolau de bom padrão ou biologia molecular nos bolsões do Brasil onde não
tem o exame ou é de baixo padrão, as triando para fazê-lo em centro próximo,
pois são estas as mulheres em grande risco, porque não fazem prevenção. Estas
são também as que mais precisam de vacinas. Idealmente os parceiros de mulheres
com formas infectantes da doença deveriam ser examinados. Cabe ao médico
definir estas formas e encaminhá- los. Mas não esqueçamos que o maior problema
de saúde pública deste país não são eles, mas aquelas que nunca fizeram um só
preventivo de Papanicolau na vida.
Jornalista: Antônio Marinho - O Globo Online