Recentemente,
a médica Marcia Angell publicou um artigo no "The New York Review of
Books" sobre a crise da psiquiatria e a ineficácia dos antidepressivos que
fez muitos pacientes pararem imediatamente de tomar medicamentos deste tipo. O
artigo pôs em dúvida a eficácia dos antidepressivos nos tratamentos
convencionais. Segundo a médica o índice de resposta dos pacientes a
antidepressivos é pouquíssimo superior ao de placebos. E, além de poucos
benefícios terapêuticos, há graves efeitos colaterais. Cerca de 70% das pessoas
que tomam antidepressivos, por exemplo, têm disfunção sexual. E, em alguns
casos, mesmo quando param de tomar as pílulas, a disfunção continua.
A
teoria do desequilíbrio químico como uma causa da depressão é uma hipótese que
não está comprovada, mas os médicos prescrevem medicamentos, principalmente por
causa do "rolo compressor da promoção farmacêutica". É o que diz o
psiquiatra Daniel Carlat. E não é surpreendente que haja um furor de mídia nos
EUA em torno dos medicamentos. Cerca de 10% dos americanos com mais de seis
anos de idade tomam antidepressivos. No Reino Unido, as prescrições para as
drogas subiram 43% nos últimos quatro anos e chegaram a 23 milhões de receitas
por ano.
O
professor Irving Kirsch, diretor associado do programa de estudos de placebos
da Harvard Medical School e autor de um livro intitulado "As novas drogas
do imperador: explodindo o mito antidepressivo", explica a teoria do
desequilíbrio químico. Segundo esta teoria, não há serotonina, norepinefrina ou
dopamina em níveis suficientes nas sinapses do cérebro de pessoas deprimidas.
Mas isto não se ajusta aos dados de pesquisas clínicas, uma vez que reduzir os
níveis de serotonina em pacientes saudáveis não tem impacto sobre o humor que
eles apresentam. Por isto, há quem acredite que a teoria está equivocada.
-
Esta teoria do desequilíbrio químico é um mito, diz ele. A idéia de que os
antidepressivos podem curar a depressão de forma química é simplesmente errada.
A
meta-análise de 38 estudos clínicos - sendo que 40% dos quais tinham sido
retirados da linha de publicação porque as empresas farmacêuticas não gostaram
dos resultados - que envolveram mais de 3.000 pacientes com depressão mostra
que apenas 25% dos benefícios do tratamento antidepressivo foi devido às drogas
e que 50% foi simplesmente efeito placebo.
- Em
outras palavras, o efeito placebo foi duas vezes maior que o efeito de drogas,
embora a resposta ao placebo tenha sido menor nos pacientes severamente
deprimidos. Placebos são extraordinariamente poderosos e podem ser "tão
fortes quanto medicamentos potentes". A resposta ao placebo é específica:
a morfina placebo alivia a dor, antidepressivos placebos aliviam a depressão. É
uma questão de expectativa e condicionamento: se você espera se sentir melhor,
você se sente melhor, mesmo se tiver efeitos colaterais negativos, pois os
efeitos colaterais convencem as pessoas de que elas tomaram uma droga poderosa
- diz Irving Kirsch.
Segundo
o médico, a psicoterapia aumenta o efeito placebo e é significativamente mais
eficaz que a medicação para todos os níveis de depressão.
-
Antidepressivos só devem ser utilizados como último recurso e apenas para os
mais severamente deprimidos - avalia Kirsch.
Nem
todos concordam. Ian Anderson, professor de psiquiatria da Universidade de
Manchester, acredita que os antidepressivos são úteis no tratamento de
depressão e vai debater com Kirsch em uma conferência na Turquia no próximo
mês. Ele diz que corremos o risco de "jogar fora o bebe junto com a água
do banho".
-
Isto ocorre quando dizemos que os antidepressivos são lixo. Os antidepressivos
são parte da caixa de ferramentas de um médico, embora, provavelmente, sejam
mais úteis para os pacientes mais deprimidos. Há pessoas que não respondem a
terapias da fala. E neste caso não há escolha - comenta Anderson.
O
professor Allan Young, presidente de psiquiatria da Imperial College London,
concorda.
- A
depressão é uma doença de classificação ampla. Há vários tipos de depressão, e
cada tipo responde de forma diferente - diz Young. - É claro que cérebro e
corpo são indissociáveis e os efeitos placebo são maiores nos pacientes que
sofrem da doença com menos severidade.
Mas
Kirsch levanta outro ponto:
-
Para tornar as coisas mais complicadas, há o "efeito nocebo": se você
espera se sentir mal quando você sair dos antidepressivos, você vai sentir-se
mal, porque nós tendemos a notar pequenas mudanças aleatórias negativas e
interpretá-las como prova de que estamos, na verdade, piorando... - diz Kirsch.
Ele
cita o exemplo de uma paciente chamada Lucy, que tinha tendências suicidas. Ela
tomou antidepressivos por 10 anos. Ela costumava dizer o seguinte: "A
droga deu-me de volta a mim mesma, era como um raio de luz que brilha através
da névoa". Mas os efeitos colaterais eram náuseas e a perda da libido, e
isto a levou a abandonar o medicamento. Ela também descreveu o que sentia sem o
medicamento: "Era como um relógio. Sentia uma contração muscular na parte
de trás da minha mente. E vivia com medo da depressão voltar. A única coisa que
me manteve viva foi saber que as pílulas estavam lá e que a qualquer momento poderia
recorrer a elas"
Para
Judy, um outro antidepressivo funcionou bem. "O primeiro que me foi dado
produziu em mim enorme ansiedade, como uma viagem ruim, e fez-me terrivelmente
ciente de todas as minhas terminações nervosas. Mas a segundo fez efeito desde
o primeiro dia. Quando tomava de manhã, eu sabia que ficaria com a química
equilibrada. Era como um interruptor sendo ligado: sentia uma corrida fabulosa
na direção da alegria".
Ela
parou de tomar o medicamento depois de seis meses. E meses depois, ela se
sentia fraca, mas não deprimida
- Eu
sinto a depressão como uma pedra no meu plexo solar. E não era mais assim.
Então, eu ainda pensei que seria agradável ter aquele atalho para a felicidade.
E tomei o segundo antidepressivo. Não teve efeito algum porque eu não estava
realmente deprimida. E, para mim, a teoria do placebo não faz sentido...
Daniel
Carlat, psiquiatra em Boston e autor de "Unhinged: The Trouble with
Psychiatry (Revelações de um doutor sobre uma Profissão em Crise) - diz que a
prescrição de antidepressivo é um caso de "hit-and-miss".
-
Infelizmente, sabemos um bocado menos sobre o que estamos fazendo do que você
imagina. Quando eu me vejo usando expressões como "desequilíbrio
químico" e "deficiência de serotonina", geralmente é porque
estou tentando convencer um paciente relutante em tomar medicação. Usar essas
palavras faz com que a doença parece mais biológica. A maioria dos leigos não
percebe como interessa pouco saber sobre a base de doença mental.
Carlat não
está tão convicto quanto Kirsch sobre o efeito placebo. Os pacientes que
aparecem em seu gabinete são diferentes daqueles recrutados para ensaios
clínicos porque as empresas farmacêuticas, desesperadas para fazer os seus
produtos superarem um placebo, são muito seletivas sobre quem escolherem.
-
Você tem que ter depressão "pura", imaculada por uso de álcool,
problemas de ansiedade, transtorno bipolar, pensamentos suicidas, depressão
leve ou a longo prazo e isto exclui a maioria dos pacientes ) diz Carlat.
No
entanto, como diz Marcia Angell, autora de "A verdade sobre as companhias
farmacêuticas: como elas nos enganam e o que fazer sobre isso", é verdade
que a indústria faz muita propaganda enganosa, mas os medicamentos
antidepressivos ainda são uma alternativa quando nada mais funciona.
Uma
coisa é clara: o cérebro permanece misterioso. Como Carlat diz:
-
Sem dúvida, existem causas neurobiológicas e genéticas para todos os
transtornos mentais, mas eles ainda estão além da nossa compreensão. Tudo o que
realmente sabemos é que a depressão existe e, por vezes, as drogas parecem
funcionar, mesmo que seja efeito placebo.
Para
antidepressivos, os médicos têm uma diretriz básica, que todos concordam:
1. Nunca
pare de tomar antidepressivos sem o discutir com seu médico, porque a
interrupção abrupta de medicamentos pode causar sintomas de abstinência, tanto
física como mental.
2. Se você
decidir parar, vai precisar reduzir gradualmente a dose, em vez de parar
abruptamente.
3. Se você
está feliz com seu antidepressivo e sente que funciona no seu caso, continue
com o medicamento. O uso regular é o que funciona. Se alguma coisa não está
quebrada, não tente consertá-la....
Fonte: O
Globo Online