A técnica da espectroscopia de bioimpedância elétrica para detecção de câncer do colo de útero é um caminho que a indústria da saúde e a ciência têm perseguido para fazer diagnósticos mais rápidos, precisos, baratos e menos invasivos do que os métodos tradicionais. Uma tese de doutorado defendida na Escola Politécnica (Poli) da USP propôs as bases conceituais para um equipamento de baixo custo que possa utilizar essa técnica para o diagnóstico da doença.
O colombiano Jose Alejandro Amaya Palacio já desenvolveu em seu país um protótipo preliminar de equipamento que tem esse objetivo, entretanto, não conseguiu atingir as especificações mínimas necessárias, pois usava componentes de “uso geral”. Veio para o Brasil para aprofundar os estudos e tornar o seu sistema mais preciso. A tese Gerador de sinais para aplicação da espectroscopia de bioimpedância elétrica na detecção de câncer foi orientada pelo professor Wilhelmus Adrianus Maria Van Noije, do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos (PSI) da Poli.
Segundo o docente, a principal estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o diagnóstico do câncer do colo de útero é o rastreamento. São feitos exames em pessoas aparentemente saudáveis, em busca de um diagnóstico precoce. O problema é que o custo do rastreamento é muito alto. “Além disso, 80% dos casos desse tipo de câncer são registrados em países em desenvolvimento, o que justifica nossa preocupação acadêmica e social com o assunto”, afirma.
Palacio está desenvolvendo um sistema alternativo, de baixo custo e fácil aplicação, que propicie resultado rápido e tenha alta sensibilidade e especificidade, ou seja, que forneça diagnósticos precisos e que reduza ao máximo a chance de apontar falsos positivos ou falsos negativos. “A ideia desse doutorado foi propor uma evolução do sistema que já vem sendo trabalhado por ele, melhorando os algoritmos, aumentando a precisão, promovendo a integração dos componentes do sistema como um todo num único circuito integrado (chip)”, explica Noije.
A impedância, um conceito da Engenharia Elétrica, é a resposta dada por um material quando um fluxo de corrente elétrica flui através do mesmo. “A espectroscopia consiste em fazer a medição da impedância – no caso da minha pesquisa, da bioimpedância. Trata-se de células do tecido do colo do útero”, explica Palacio. Para fazer essa medição, aplica-se um sinal elétrico no tecido para excitá-lo, e ele vai dar uma resposta, que é o nível de tensão. A bioimpedância é, então, a relação entre a tensão e a corrente do sinal aplicada, também chamada de resistividade.
Os cientistas já sabem como é o comportamento da corrente elétrica quando ela atravessa uma célula cancerígena. Parte da pesquisa de Palacio foi testar diferentes frequências do sinal de corrente. “Quando uso frequências mais altas, a corrente consegue atravessar a parede externa da célula e fornecer informação de seu interior. Essa informação é importante porque a célula muda quando se tem câncer”, destaca Palacio.
Modelo elétrico
Ele ainda não trabalhou com amostras de tecido – seu projeto desenvolveu a parte teórico-conceitual do que pode vir a ser um aparelho fabricado comercialmente e usado pela medicina. Os experimentos foram conduzidos a partir de um modelo teórico da célula existente no tecido do colo do útero. “Grande parte do trabalho de um engenheiro é tentar modelar sistemas, objetos etc. Neste caso específico, não usamos um tecido humano, mas modelamos eletricamente esse tecido, para analisar fisicamente as respostas que ele pode dar quando aplicamos uma corrente, ou seja, para verificar a bioimpedância”, explica o professor Noije.
Fazer uma modelagem elétrica de um componente do corpo humano é possível porque as reações químicas geram correntes elétricas, que excitam células e nervos, sendo viável representar esses processos, como se fossem circuitos elétricos com transistores (dispositivos semicondutores que controlam o fluxo de corrente elétrica), capacitores (dispositivos elétricos capazes de armazenar cargas elétricas) etc.
Do modelo teórico, pretende-se futuramente chegar a protótipos físicos completos e a testes com tecidos humanos. “Há potencial para usar o sistema também para diagnóstico de câncer de mama”, afirma Palacio. O objetivo é chegar a um nível de precisão que permita obter imagens, saber a localização e até mesmo o tamanho do tumor. Existe a possibilidade de se acoplar, inclusive, baterias para que o equipamento possa operar com energia solar, o que seria indicado para uso em regiões afastadas dos grandes centros, por exemplo.
Para avançar no desenvolvimento do sistema, será preciso ter o equipamento completo, como protótipo, e trabalhar os protocolos médicos para testes in vitro e in vivo, mas ainda não há prazo para isto ocorrer. No estágio atual, todos os circuitos específicos do sistema foram projetados; destes 70% foram fabricados e testados e alguns estão na fase final de prototipagem. Uma vez validados, a ideia é integrá-los num chip único. Palacio deixou o Brasil satisfeito com os resultados, pois conseguiu melhorar a eficiência do sistema, de forma geral.
Com informações do Jornal da USP
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