A micróglia, que é o conjunto de células de defesa do sistema nervoso central, em contato com células de tumores, pode atuar de modo a aumentar o crescimento e a agressividade do tumor. A conclusão é de uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em conjunto com a Universidade de Groningen, na Holanda.
O estudo mostra como as células tumorais interferem no funcionamento da micróglia, abrindo caminho para terapias que impeçam o avanço e a recorrência do glioma no cérebro. A pesquisa recebeu o Prêmio Tese Destaque USP 2017, na área de Ciências da Saúde.
A micróglia representa cerca de 10% do total de células do cérebro. “É bem conhecido o seu papel na defesa contra infecções bacterianas e virais, lesões, doenças neurodegenerativas e autoimunes. Quando ativada por estímulos, sejam eles fisiológicos ou patológicos, a micróglia retrai suas ramificações e inicia suas ações de combate”, explica a pesquisadora Thais Fernanda de Almeida Galatro, que participou do estudo. “As células microgliais identificam e removem células mortas, agindo como primeira linha de defesa num processo muito rápido, dinâmico e reversível em qualquer estágio.”
Gliomas são um grupo heterogêneo de tumores primários do sistema nervoso central, originados de células gliais ou de suas células progenitoras. “Os gliomas difusos são tumores de natureza invasiva e, por essa razão, a remoção total por cirurgia é muito difícil. A presença de células tumorais residuais resulta na recorrência do tumor e na progressão maligna”, afirma Thais.
“Glioblastomas são os mais agressivos, mais malignos e mais frequentes dos gliomas.” As trocas entre as células tumorais e as do microambiente onde o tumor se encontra exercem papel crucial na modulação do seu crescimento e agressividade. No caso da micróglia, as células tumorais podem ativar uma ação pró-inflamatória ou anti-inflamatória.
Para estudar a micróglia quando há presença de tumores, o primeiro passo da pesquisa foi estabelecer o perfil de expressão gênica de suas células em amostras humanas sem doenças relacionadas ao sistema nervoso central, obtidas de autópsias. “A análise de 39 amostras de micróglia humana normal”, relata a pesquisadora, “revelou qual é sua expressão gênica característica, as semelhanças e diferenças com a micróglia de camundongos e o efeito da idade nessas células”. Esse estudo foi descrito em artigo publicado na revista Nature Neuroscience em agosto.
Alterações
Com base no perfil traçado na primeira etapa, foi efetuada a comparação com as amostras provenientes de gliomas de diferentes graus. “Apesar de ter sido observado um desequilíbrio na expressão de genes relacionados ao perfil inflamatório dessas células, não foi possível estabelecer nenhum perfil específico relacionado à ativação da micróglia”, aponta Thais.
Entretanto, a pesquisa constatou a presença de alterações substanciais em vias relacionadas à proliferação celular, controle de ciclo celular e migração, incluindo genes relacionados ao remodelamento da matriz extracelular. “Foi constatada também uma alta heterogeneidade nos níveis de expressão gênica dessas células, diferentemente das células em condições normais.”
Segundo a pesquisadora, a heterogeneidade sugere que as células gliais respondem a diferentes estímulos provenientes de diferentes clones de células tumorais em um mesmo glioma, resultando num aumento da capacidade de originar novas células desse tumor. “Alterações em vias de proliferação e de controle de ciclo celular podem levar a um aumento no número de células, e o desequilíbrio encontrado em vias de migração e de remodelamento da matriz extracelular pode aumentar o potencial invasivo do tumor.”
A heterogeneidade genética das células de glioma tornam as células gliais uma alternativa complementar promissora para terapias com foco na interação entre os dois tipos celulares, como a imunoterapia, aponta Thais. “O entendimento de como a micróglia responde aos estímulos tumorais do glioma e quais moléculas são produzidas será valioso para superar mecanismos associados à recorrência tumoral e resistência à terapia”, conclui.
A tese de Thais, Perfil de expressão gênica da micróglia humana e suas alterações relacionadas ao glioma, orientada pela professora Suely Kazue Nagahashi Marie, faz parte de um programa de doutorado com dupla-titulação. Parte do estudo foi realizada no Departamento de Neurociências da Universidade de Groningen, sob orientação do professor Bart Eggen. O trabalho recebeu o Prêmio Tese Destaque USP 2017, na categoria Ciências da Saúde.
A pesquisa também teve a colaboração do professor Carlos Pasqualucci, do Departamento de Patologia da FMUSP, e do pesquisador Antonio Lerario, da Universidade de Michigan (Estados Unidos). O estudo contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Fundação Faculdade de Medicina (FFM).
Mais informações: e-mail thaisgalatro@usp.br, com Thais Fernanda de Almeida Galatro - Jornal USP
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