INTRODUÇÃO
A filariose é uma doença que pode ser causada por diversas espécies de filarias, como por exemplo, pelo agente etiológico denominado Wuchereria bancrofti, o qual é um nematelminto filariforme que apresenta um ciclo heteroxênico, sendo que o homem é considerado o hospedeiro definitivo e, artrópodes como as espécies de mosquitos Culex e Anopheles são modelos de hospedeiros intermediários satisfatórios e que podem transmitir a filariose humana (CAMPOS, 2001).
Acredita-se que a maior parte das espécies de filárias é oriunda da Ásia e da África, e que migraram para o continente americano por meio do tráfico de escravos e se adequaram ainda mais pela presença de um artrópode muito parecido com o da região de região de origem.
Os culicídeos e os anofelinos são os principais vetores das formas periódicas noturnas e estão bem distribuídos em regiões tropicais e subtropicais. No Brasil, o Culex quinquefasciatus, popularmente conhecido como “muriçoca” ou “carapanã”, é o principal vetor causador da doença, pois este pernilongo possui distribuição cosmopolita.
No Brasil a espécie de maior interesse médico pela sua frequência em mais de 90% dos casos, pertence à família Onchocercidae, do gênero Wuchereria e espécie W. bancrofti. A ocorrência da filariose linfática é geralmente associada à elefantíase quando na fase sintomática mais avançada, além disso, a doença é endêmica em várias regiões tropicais (FONTES, 2000).
MORFOLOGIA
As filárias de Wuchereria bancrofti, podem se apresentar em diferentes tamanhos que variam de acordo com a forma que se apresentam no hospedeiro vertebrado e invertebrado. A filária macho apresenta corpo delgado e branco-leitoso, podendo ter de 3,5 a 4,0 centímetros de comprimento e 0,1 milímetros de diâmetro, sua extremidade anterior é afilada e a posterior enrolada ventralmente.
A filária fêmea também possui o corpo delgado e branco-leitoso, porém possui órgãos genitais duplos, com exceção da vagina, que se exterioriza em uma vulva localizada próximo à extremidade anterior e podem apresentar o dobro do tamanho do macho, medindo de 7,0 a 10 centímetros e 0,3 milímetros de diâmetro.
As microfilárias, por sua vez, podem ter o comprimento entre 25 a 300 micrômetros. Apresentam uma membrana extremamente delicada que promovem flexibilidade para movimentar-se ativamente na corrente sanguínea do hospedeiro. A presença da bainha é importante como critério morfológico que auxilia em um diagnóstico diferencial.
As larvas são encontradas no interior do vetor biológico e nele se diferenciam na forma evolutiva infectante. No primeiro estágio (L1), as larvas se originam da transformação das microfilárias e apresentam tamanho em torno de 300 micrômetros, posteriormente se diferenciam em larvas de segundo estágio (L2) duas a três vezes maior, e novamente se diferencia em uma nova muda, denominada de larva infectante (L3), com comprimento entre 1,5 a 2,0 milímetros de comprimento.
CICLO BIOLÓGICO
O parasita apresenta uma característica particular de periodicidade, cujo motivo ainda é desconhecido, porém sua os acontecimentos são que no período matutino as microfilárias se localizam nos capilares profundos, e durante a noite migram ao sangue periférico apresentando o maior pico de microfilaremia por volta da meia-noite e diminuindo novamente ao final da madrugada. O período de pico da microfilaremia coincide com o horário preferencial do principal inseto transmissor, o Culex quinquefasciatus (FONTES, 2000).
O ciclo biológico é do tipo heteroxênico. No hospedeiro definitivo ocorre a reprodução sexuada do nematóide adulto e a fêmea vivípara libera no sistema circulatório microfilárias (larva de primeiro estágio – L1), as quais migram para as arteríolas do pulmão, durante o dia, onde se depositam e durante a noite alcançam a circulação periférica e adquirem a forma periódica noturna, infectante ao mosquito vetor.
Quando o mosquito pica o hospedeiro infectado, ingere as microfilárias e estas penetram na parede intestinal do inseto e movem até atingir seus músculos torácicos, onde se maturam inicialmente nos estágios L2 e até o estágio infectante, L3. Posteriormente, a larva infectante migra até a região da proboscíde do inseto e este ao picar o homem, favorece com que as larvas sejam inoculadas na corrente sanguínea tanto através da pele quanto pelo orifício da picada.
As larvas infectantes quando na circulação sanguínea, movem-se até o linfonodo mais próximo, onde sofrem maturação até a forma adulta, em um processo que pode durar de três meses a um ano. E o período de incubação da doença pode ser de aproximadamente 15 meses. O verme adulto pode sobreviver por cindo ou dez anos e pode causar danos que caracterizam os quadros clínicos que a doença pode assumir.
PATOGENIA
No momento de infecção por larvas L3, ocorre a ativação do sistema imune de maneira reforçada contra o parasita, porém se não houver eliminação das larvas durante este período, o organismo pode desenvolvem alterações determinadas pela reação imune à presença do parasita. Algumas dessas alterações podem ser a linfangite, que são lesões em vasos linfáticos e causam inflamação da área afetada e febre.
Além disso, podem causar linfadenomegalia e linfedema, que caracterizam a elefantíase. A elefantíase provocada pelo agente W. bancrofti, na maioria das vezes é unilateral e leva a incapacidade, cujo tratamento necessita de intervenção cirúrgica radical por meio da ressecção dos tecidos fibróticos e calcificados.
Na circulação sanguínea e no pulmão, as microfilárias podem causar intensa eosinofilia e dificuldades respiratórias, que são oriundas de reações imunoalérgicas mediadas por anticorpos da classe IgE, tais sintomas associados são denominados como eosinofilia pulmonar tropical.
Nos casos de elefantíase, a sequência dos eventos é normalmente: linfangite, linfadenite, linfangiectasia, linforragia, edema linfático, esclerose da derme, hipertrofia da epiderme e aumento do volume do órgão.
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
Os quadros clínicos da filariose podem ser diferentes em cada caso, visto que depende da antigenicidade do parasita para o organismo, da quantidade de parasita que é inoculada, da localização do nematelminto adulto no organismo e das morbidades que o indivíduo já apresenta. A maior parte da população acometida por filariose é assintomática ou com muitos sintomas distintos.
O sinal clínico causado pelo W. bancrofti mais comum é a Filariose Linfática que ocorre pela presença de vermes adultos no interior dos vasos linfáticos. Inicialmente o hospedeiro infectado apresenta dor, edema e eritema por toda extensão dos vasos linfáticos, o que assinala a linfangite. Pode apresentar linfadenite na região afetada e manifestações como febre, calafrios, náuseas e fenômenos alérgicos e podem conduzir a fibroses e calcificação dos vasos linfáticos e afetar os tecidos que os circundam devido à dilatação dos vasos linfáticos por edema local e estase linfática.
A linfa ou o quilo podem se acumular em diversos órgãos e cavidades que causam em quilúria, ascite quilosa e linfática, diarreia quilosa e linfoescroto, o surgimento dos sintomas estão diretamente ligados ao aumento da estase linfática e a linfangiectasia. Com o tempo, a evolução clínica desses episódios agudos pode modificar estruturas do tecido subcutâneo nos membros afetados e podem resultar em elefantíase.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Alguns procedimentos laboratoriais podem ser feitos para vistoria clínica da filariose, pode ser realizada, por exemplo, a detecção e identificação de microfilárias por meio da análise do sangue, obtido previamente por punção capilar à noite ou obtido do sangue venoso durante o dia. Além do sangue, podem também ser observados a linfa, sedimento urinário, secreção de abscessos, fragmentos de pele e linfonodo. No caso de análise do sangue, é espalhada uma gota espessa deste em lâmina, desemoglobinizados e corados pela técnica de Giemsa. Entretanto esta técnica não é precisa, visto que pode resultar em falsos negativos devido à proporção em que o parasita se apresenta distribuído no sangue, caso exista menos de 100 microfilárias/mm o método torna-se duvidoso.
Em casos de resultado negativo pela análise de microfilárias no sangue, o método pode ser repetido após administração oral de 50mg de dietilcarbamazina, tal droga provoca o aumento da parasitemia em cerca de 10 a 60 minutos ou produz reações peculiares, como eritema maculopapular, prurido, e mialgia. Em caso de resultado negativo, o teste deve ser novamente repedido com uma dose maior, de 200mg de dietilcarbamazina. Contudo, esse teste com dietilcarbamazina deve ser evitado em caso de suspeita de oncocercose ou loíase, pois pode desencadear reações alérgicas sistêmicas graves.
A detecção de antígenos de filária circulante é outra técnica para diagnóstico semelhante a da detecção de microfilárias, porém com a vantagem de independer da periodicidade do parasita. A amostra de sangue obtida é disposta em papel filtro e processada utilizando-se ensaio imunoenzimático com anticorpos monoclonais. Os testes sorológicos também podem ser realizados, porém a sensibilidade é muito baixa, o que inviabiliza sua utilização para diagnóstico na prática clínica. A ultra-sonografia é usualmente utilizada para detecção do verme adulto e a imagem é reproduzida a partir da região inguinal e da bolsa escrotal.
TRATAMENTO
O tratamento em geral é feito com o desígnio de reduzir ou prevenir a morbidade, corrigir as alterações provenientes do parasitismo e impedir a transmissão a novos hospedeiros (FONTES, 2000). O tratamento da filariose é realizado por meio de quimioterápicos macrofilaricidas, para os vermes adultos e microfilaricidas, para as microfilárias e por meio da associação com tratamento sintomático, com objetivo de minimizar a agressividade do tratamento em geral.
A suramina é uma droga letal aos vermes adultos de W. bancrofti e outras filárias e produz ação desconhecida contra as microfilárias. Todavia, produz alta toxicidade e pode ocasionar reações de hipersensibilidade, náuseas, fotofobia, neuropatia e a morte dos vermes pode ocasionar edemas e abscessos estéreis que podem propiciar uma infecção secundária por bactérias.
A dietilcarbamazina é usada como microfilaricida, em pessoas infectadas, podem gerar efeitos adversos como febre, mialgia, cefaleia. A dose terapêutica recomendada é de 3mg/kg durante quatro dias e mantida por mais 14 dias.
O ivermectin possui ação microfilaricida contra a maioria das filárias, em especial, a W. bancrofti, é realizada por uma dose única de 40mg/kg, administrada por via oral. O uso da droga não provoca efeitos colaterais graves, mas conforme a carga parasitária o indivíduo pode apresentar febre, mialgia, cefaleia e tosse.
O metrifonato é um inseticida, mas atua como agente microfilaricida eficaz, por meio da paralisia irreversível do parasita. Além disso, os efeitos colaterais não são graves e podem ser náuseas, vômito e dor abdominal. O mebendazol é uma droga potente, mas deve ser administrado em altas doses, devido sua absorção intestinal baixa.
Para correção das alterações iniciais, Fontes (2000) recomenda intensa higienização local, com uso de água, sabão e cremes antibióticos, para evitar infecções secundárias bacterianas. O exercício regular ajuda a promover o fluxo da linfa, juntamente com o uso de meias elásticas que promovam compressão externa que auxiliam reduzir o edema. Além disso, existem cirurgias corretivas que podem ser indicadas formalmente dependendo do agravo da doença.
PROFILAXIA
A profilaxia se baseia no tratamento de todas as pessoas parasitadas e combate ao inseto vetor. O tratamento contra a filariose bancroftiana deve ser pela administração de dietilcarbamazina semestralmente ou anualmente em toda a população de áreas endêmicas.
A população deve ser auxiliar removendo os criadouros do inseto vetor, como água em regiões peridomiciliares. Contra as larvas deve-se utilizar larvicidas químicos ou biológicos. Para a proteção individual, deve utilizar repelentes, dormir sob mosqueteiros antes de dormir, telar janelas e portas das residências. Além disso, a educação e o saneamento ambiental também contribuem com a redução dos insetos vetores nas áreas urbanas e de outras parasitoses.
PREVALÊNCIA NO BRASIL
Segundo o Ministério da Saúde, a filariose linfática é uma das principais doenças crônicas que podem causar número de incapacidades permanentes ou por um longo prazo. Na década de 1990 cerca de 100 milhões de pessoas eram acometidas pela doença a cada ano. Estima-se que 1/5 da população mundial são portadores da filariose. A Organização Mundial da Saúde, OMS, pretende erradicar a doença até 2020, visto que a filariose linfática é passível de eliminação total, para tanto, no mundo todo estão sendo adotadas medidas programáticas para a consolidação dessa meta.
A frequência dos parasitados é geralmente maior em jovens entre 18 e 25 anos, do sexo masculino e na maioria dos casos podem não apresentar sintomas aparentes, mas podem servir de fonte de infecção e disseminação das da parasitose. No Brasil, existem regiões onde a doença é endêmica e por isso são denominadas “focos de filariose”, no entanto, existem programas com ações implantadas com o propósito de combater a endemia nessas regiões, que se intensificaram após proposição da OMS.
Atualmente a transmissão da filariose no Brasil está restrita as regiões endêmicas nos municípios de Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista, todos na Região Metropolitana do Recife, sendo peculiares as áreas da cidade com baixas condições socioeconômicas e com precária infraestrutura, como falta de saneamento básico, coleta de lixo adequada e moradias precárias.
Utiliza-se técnicas para diagnóstico da doença que podem apresentar sensibilidade de 100%, para tanto as amostras colhidas devem considerar a periodicidade da parasita e no Brasil o pico da microfilaremia é por volta das 23h a 1h da manhã. Os diagnósticos complementares abrangem o parasitológico que envolve resumidamente a técnica do exame parasitológico (EF), técnica da gota espessa (GE), técnica de concentração de Knott (CK), técnica de filtração em membrana de policarbonato (FMP), e abrange o diagnóstico sorológico, por meio de pesquisa de anticorpo, pesquisa de antígeno circulante filarial (ACF).
Outros testes como a técnica de imagem por ultrassonografia, onde é possível detectar as filárias na forma adulta, mesmo na ausência de microfilárias pelas técnicas citadas anteriormente. A rotina para diagnóstico da filariose linfática aliada aos testes complementares aumentam a sensibilidade e especificidade do diagnóstico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARLI, G.A. Parasitologia Clínica: Seleção de Métodos e Técnicas de Laboratórios para o Diagnósticos dos Parasitoses Humanas. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2011.
CIMERMAN B.; CIMERMAN S. Parasitologia Humana e seus fundamentos gerais. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2005.
FONTES, G. Filariidea: Wuchereria Bancrofti – Fiolariose Linfática. In: NEVES, D.P. (org). Parasitologia Humana. 10ª ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2000.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Filariose Linfática. Disponível em: http:/ www.portal.saude.gov.br> acessado em 22 de mai 2013.
Fonte: Portal Educação