domingo, 17 de março de 2013

Cafeína pode atrasar evolução da doença de Machado-Joseph


Estudo da UC conclui que consumo de cafeína atenua lesões cerebrais.

A administração diária de cinco a sete cafés pode ser benéfica para a evolução da neuropatologia Machado-Joseph. Um estudo da Universidade de Coimbra verificou que a cafeína tem um efeito neuroprotetor.

O estudo realizado nos últimos cinco anos no Centro de Neurociências e Biologia Celular e nas Faculdades de Farmácia e de Medicina da Universidade de Coimbra (UC) permitiu verificar que “a eliminação genética do receptor A2A para a adenosina mimetizava o efeito protetor conferido pelo consumo crônico de cafeína, a exemplo de observações feitas em modelos animais de outras doenças que também apontavam que o efeito neuroprotetor resultante do consumo crônico de cafeína se devia ao bloqueio dos receptores A2A da adenosina”, explica Rodrigo Cunha, um dos investigadores envolvidos neste estudo.

Os receptores A2A da adenosina são proteínas localizadas na membrana plasmática dos neurônios que em particular sentem a quantidade de adenosina presente no meio extracelular. Rodrigo Cunha pormenoriza que “em situações de doença, existe um déficit funcional que é compensado com um aumento da densidade destes receptores, situação que leva ao agravamento do déficit funcional e a danos nas sinapses”.

O bloqueio com a cafeína destes receptores A2A impede assim “uma codificação aberrante nos neurônios de excesso de atividade contribuindo para uma normalização funcional e preservação das sinapses”, adianta o mesmo investigador.

O consumo crônico de cafeína já tinha dado resultados promissores quando aplicado a outras neuropatologias como Parkinson, Alzheimer, e também em situações como convulsões juvenis, déficit de atenção e hiperatividade. Tendo em conta que a doença de Machado-Joseph também é uma doença cerebral de caráter evolutivo, “decidimos confirmar o aparecimento de modificações sinápticas precoces e testar a capacidade do consumo crônico de cafeína que também poder conferir uma neuroproteção num modelo animal da doença de Machado Joseph”, diz Rodrigo Cunha.

Os investigadores envolvidos afirmam que os resultados obtidos são “promissores” e “abrem pistas para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas, mas são necessários mais estudos e ensaios clínicos para confirmar se o alvo molecular é eficaz nos humanos”.

Atualmente não há tratamento para a progressão da doença de Machado-Joseph, apenas se tratam os sintomas de uma patologia cujo “quadro clínico é muito variável, inclusive na idade com que se manifesta, embora surja frequentemente na meia-idade entre os 40 a 50 anos”, explica Luís Almeida, outro dos investigadores deste trabalho.

Machado-Joseph é uma doença genética rara que integra o grupo de nove doenças de poliglutaminas e é caracterizada por produção anormal de uma proteína (ataxina 3) possuidora de uma cadeia excessivamente longa de glutaminas, causando toxicidade em diferentes zonas do cérebro.

Luís Almeida pormenoriza que “a degeneração induzida pela ataxina-3 mutada resulta em degeneração em regiões específicas do sistema nervoso central em particular nos núcleos profundos do cerebelo, ponte, tronco cerebral e estriado o que resulta num quadro clínico diverso em que são comuns a descoordenação motora, dificuldades na marcha, nos movimentos voluntários, na articulação da fala, movimentos oculares e deglutição”.

O estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), National Ataxia Foundation (EUA) e de uma rede Europeia Marie Curie que estuda o conjunto de doenças de poliglutaminas (TreatPolyQ).

O trabalho foi já publicado na revista internacional Annals of Neurology, um artigo cujo primeiro autor é Nélio Gonçalves.

Fonte: Ciência Hoje