Desvendar como se organizam as fibras de colágeno da pele e de outros tecidos do corpo humano pode trazer informações preciosas para os cirurgiões e abrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias regenerativas.
Há quase 50 anos, esse tem sido um dos principais objetivos de Benedicto de Campos Vidal, professor emérito do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ainda em 1965, em artigo pioneiro publicado na revista Protoplasma, o pesquisador anunciou a sistematização de uma propriedade óptica nas fibras de colágeno típica de materiais cristalinos e com alta organização molecular: a birrefringência de forma.
“Ao atravessar um material birrefringente, a luz é dividida e obrigada a se propagar em duas direções diferentes – uma perpendicular à outra. Se esse objeto for iluminado por uma luz polarizada (cujas ondas se propagam em uma única direção, como o laser), ele brilha”, explicou Vidal.
Tal trabalho foi usado como modelo de comparação em pesquisas que visam à geração de segundo harmônico – fenômeno óptico não linear que ocorre quando determinados materiais são iluminados por um laser e passam a emitir uma luz de cor diferente e com o dobro da frequência original.
Uma das muitas aplicações é a produção de laser azul pela incidência de laser vermelho, tecnologia usada nos aparelhos do tipo blu-ray, por exemplo. O fenômeno também vem sendo estudado para o desenvolvimento de processadores quânticos fotônicos, muito mais rápidos que os atuais.
Com base nessa capacidade das fibras de colágeno de interagir com a luz, o pesquisador desenvolveu uma metodologia para detectar e medir a birrefringência de forma nesse material.
Os resultados dos estudos mais recentes, feitos em pele de rato foram divulgados em artigo na revista PLoS One.
Com auxílio de um microscópio de polarização, o grupo coordenado por Vidal analisou amostras de pele incluídas em parafina e cortadas em pedaços com espessura de 8 a 40 micrometros – menos da metade da espessura de um fio de cabelo.
“O microscópio de polarização possui uma fenda onde colocamos um cristal compensador. Ele tem esse nome porque combina a birrefringência dos feixes de colágeno com a sua própria birrefringência. Quando essas medidas são iguais, a birrefringência do colágeno é anulada e a imagem dos feixes fica escura. Quando a estrutura molecular da fibra está em oposição à estrutura do cristal, os feixes brilham”, explicou Vidal.
O brilho emitido não é homogêneo, pois varia de acordo com a direção das fibras de colágeno que se agregam para formar os feixes. “Mesmo dentro de um feixe há variação de brilho, pois as fibras se retorcem formando hélices. Os feixes também se enrolam formando hélices de hélices, em uma estrutura chamada helicoidal”, disse.
Uma câmera acoplada ao microscópio de polarização capta a imagem e a transfere para um computador. Por meio da análise estatística da variação do brilho reproduzido no monitor, foi possível estudar o padrão de distribuição de fibras de colágeno. “Também medimos a birrefringência em nanômetros por análise de imagem e por compensação da birrefringência”, disse Vidal.
Cristal líquido
Essa metodologia para detectar e medir a birrefringência já havia sido proposta por Vidal em trabalhos anteriores e foi usada por outros pesquisadores para descrever a distribuição das fibras de colágeno existentes nos tendões.
“Também tem sido usada para a obtenção de membranas de sílica com propriedades ópticas interessantes para a transmissão de informações e uso em comunicação”, contou.
No trabalho mais recente, o grupo da Unicamp mostrou que as fibras de colágeno da pele apresentam as mesmas propriedades ópticas não lineares que as dos tendões, abrindo caminho para novos tratamentos.
“Quando a pele é apertada ou massageada, os fibroblastos – células que sintetizam as moléculas precursoras do colágeno – recebem sinais topográficos emitidos pelas fibras e reagem. Conhecendo a distribuição das fibras na pele é possível, por meio de luzes (efeitos fotônicos) e massagens especiais, aumentar a circulação sanguínea e estimular o metabolismo, favorecendo a recuperação das células da derme”, destacou Vidal.
Segundo o pesquisador, o conhecimento pode gerar também novas aplicações na área de Física. “Minha teoria é que os feixes de colágeno, na pele como no tendão, não estão em estado sólido, nem líquido e, claro, nem gasoso. São, na verdade, cristal líquido e poderiam ser usados para conduzir a luz assim como a fibra óptica”, afirmou.
O artigo Skin Collagen Fiber Molecular Order: A Pattern of Distributional Fiber Orientation as Assessed by Optical Anisotropy and Image Analysis, de Juliana Fulan Ribeiro e outros, pode ser lido em: www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0054724.
Fonte: Agência FAPESP