quarta-feira, 2 de abril de 2014

Cientistas buscam novos medicamentos fora dos laboratórios das farmacêuticas

Três semanas após começar a trabalhar na Johnson & Johnson, Peter Lebowitz assumiu sua primeira grande missão como diretor de pesquisa: ir à Califórnia para avaliar um medicamento promissor contra o câncer.
Ali, ele examinou detalhadamente a nova droga durante três dias. No voo de volta para a Costa Leste, ele enviou um e-mail para alertar o chefe: a J&J deve fazer todo o possível para incluir a pílula no seu portfólio antes que um concorrente o faça.

Lebowitz e outros cientistas de farmacêuticas desempenham um papel cada vez mais vital como caçadores de novos medicamentos desenvolvidos fora de seus laboratórios, com a meta de renovar a linha de produtos.

A rivalidade nessa busca pode ser bem acirrada. Após a visita de Lebowitz, em 2011, ele e os executivos da J&J fizeram várias viagens à empresa californiana que desenvolveu o medicamento para criar laços pessoais que pudessem influenciar um acordo. No fim daquele ano, a J&J tinha superado concorrentes como a Novartis para comprar os direitos da droga.

O medicamento contra o câncer está entre as aquisições externas que ajudaram a J&J a revigorar seu portfólio. Os reguladores aprovaram em 2013 a versão J&J do medicamento, que recebeu o nome de Imbruvica, usado no combate de um tipo raro de linfoma. No mês passado, ele também foi aprovado para tratar um tipo de leucemia. O J.P. Morgan estima que a droga pode gerar US$ 1,3 bilhão em receita para a multinacional americana em 2017.

A forma como a J&J e Lebowitz recrutaram o laboratório californiano Pharmacyclics Inc. reflete uma mudança em como as grandes farmacêuticas estão descobrindo novos produtos. No passado, elas preferiam desenvolver medicamentos internamente. Mas encontrar novas formas de combater doenças resistentes, como diabetes e Alzheimer, por exemplo, tem se mostrado mais difícil que o imaginado, o que gera muitos fracassos de drogas experimentais a um custo alto.

Por essa razão, as farmacêuticas estão olhando além de seus laboratórios, na esperança de encontrar novos medicamentos viáveis de forma mais rápida. "Não importa quão boa sua organização é em pesquisa [...], o melhor trabalho está sempre acontecendo em algum outro lugar", diz Roger Perlmutter, chefe de pesquisa da Merck Sharp & Dohme. O ideal "é poder se beneficiar daquele trabalho que está sendo feito lá fora."

Essa mudança criou uma geração de cientistas que também se envolvem com negócios, como é o caso de Lebowitz, que hoje é chefe de pesquisa e desenvolvimento da J&J. Eles não só têm a responsabilidade de desenvolver medicamentos internamente, mas também de buscar substâncias promissoras em qualquer lugar.

Nos últimos anos, a Novartis, a Roche Holding e outras farmacêuticas têm enviado seus cientistas a diversos pontos do planeta em busca de novas drogas. Eles examinam minuciosamente as descobertas mais promissoras e seu desempenho em laboratórios e testes — e, às vezes, participam das negociações para licenciar os direitos da droga ou a compra da empresa que a desenvolveu.

A Bristol-Myers Squibb Co. e a Sanofi contam com esse tipo de acordo para compor sua linha de produtos, enquanto a MS&D está se reorganizando para ampliar a prática. Entre as drogas que estavam em estágio de desenvolvimento em 2012 nas dez maiores farmacêuticas do mundo, 33% foram descobertas fora de casa, segundo a Medtrack, um centro de dados sobre o desenvolvimento de medicamentos. Dez anos antes, esse percentual era de 16%.

"A ciência se tornou tão complexa que você não pode ser um especialista em tudo", diz Christopher Viehbacher, diretor-presidente da Sanofi, que tem cientistas dedicados especificamente para vasculhar drogas promissoras em outras empresas.

Nem sempre os caçadores de medicamentos acertam. Há dois anos, Lebowitz encontrou uma droga contra o câncer que considerou promissora. Mas para a J&J, o preço pedido era demasiado alto, segundo ele, e uma rival venceu a disputa. Em 2009, a J&J pagou US$ 1,5 bilhão por uma fatia da Elan Corp. em troca dos direitos de um medicamento para Alzheimer. A droga fracassou e a J&J acabou vendendo sua participação na Elan no ano passado. "Avaliar o risco de um medicamento que atua no corpo humano de uma forma que você não entende completamente porque a biologia é complexa [...] torna esses negócios difíceis", diz.

A J&J mudou sua abordagem em 2009, quando Paul Stoffels, hoje seu diretor científico, ajudou a lançar o "Project Playbook", um plano de avaliação de medicamentos. Em meados dos anos 2000, a J&J viu que alguns dos seus campeões de vendas perderiam a proteção de patente no fim da década. Mas a empresa não tinha novos medicamentos em seus laboratórios que poderiam substituir a receita que seria perdida.

O "Project Playbook" procurou corrigir isso, levando a J&J a concentrar seus esforços em algumas poucas doenças, como diabetes, Alzheimer, artrite reumatoide, hepatite C e certos tipos de câncer. A J&J contratou mais especialistas nestas doenças e encorajou seus pesquisadores a aprender tudo sobre qualquer medicamento em desenvolvimento.

Para cada doença, os pesquisadores compilaram as descobertas em um gráfico que, segundo Stoffels, mostrava quais drogas "estavam à nossa frente, atrás de nós e se queríamos trabalhar com elas". Foi aí que o trabalho de exploração passou a um nível mais avançado. Os cientistas da J&J procurariam conhecer seus pares nas empresas do gráfico e construir um relacionamento com eles. Às vezes, um cientista da J&J pode manter contato por meses — ou até anos — antes de mencionar um potencial acordo.

Em biotecnologia, a discussão sobre dinheiro ocorre como em qualquer outro setor. Mas, com frequência, afirma a J&J, os cientistas e empreendedores que descobriram novos medicamentos e criaram empresas com base nessas descobertas têm uma relação particularmente pessoal com suas criações e querem garantir que elas avançarão no novo lar.

De acordo com a J&J, cerca de 50% de seu portfólio de medicamentos em desenvolvimento veio de fora da empresa. Em 2012, eram apenas 20%. Seis das suas nove novas drogas aprovadas desde 2011 não foram concebidas em seus laboratórios.

Glenn Novarro, analista da RBC Capital Markets, diz que o Imbruvica e outros três novos medicamentos aprovados recentemente e que começaram a ser desenvolvidos fora da J&J podem atingir, cada, um faturamento entre US$ 3 bilhões e US$ 6 bilhões nos anos de pico de vendas.

Fonte: The Wall Street Journal

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