Problema mundial
O sobrediagnóstico - o excesso de diagnósticos - já
representa uma ameaça significativa para a saúde humana.
Isso ocorre ao se rotular pessoas saudáveis como
doentes, fazendo-as tomar medicamentos não apenas desnecessários, mas muitas
vezes perigosos em vista da ausência da doença, além de desperdiçar os recursos
públicos que poderiam estar sendo usados para quem realmente precisa deles.
Quem faz essa advertência contundente é Ray
Moynihan, da Universidade Bond, na Austrália, em um chamamento público divulgado
pelo renomado British Medical Journal.
O Dr. Moynihan é o líder de uma equipe que está
convocando especialistas de todo o mundo para uma conferência mundial sobre o
problema dos sobrediagnósticos, que deverá ser realizada no ano que vem nos
Estados Unidos.
Prevenir os sobrediagnósticos
A conferência é oportuna, diz Moynihan, porque
"como se acumulam as evidências de que estamos prejudicando a saúde, a
preocupação com o excesso de diagnósticos está dando lugar a uma ação
coordenada sobre como preveni-lo."
O sobrediagnóstico ocorre quando as pessoas são
diagnosticadas e tratadas de condições que nunca iriam lhes causar danos.
Segundo o especialista, as evidências mostram que
isso ocorre não apenas em um ou outro tipo de câncer, mas em uma ampla gama de
condições.
Por exemplo, cita ele:
1. um grande estudo canadense descobriu que quase
um terço das pessoas com diagnóstico de asma pode não ter a condição;
2. uma revisão sistemática da literatura científica
mostrou que até um em cada três casos de câncer
de mama detectados através de exames preventivos pode ser sobrediagnóstico;
e
3. alguns pesquisadores argumentam que tratamentos para a osteoporose
podem fazer mais mal do que bem para as mulheres em situação de risco muito
baixo de
fraturas no futuro.
Falsas doenças
Muitos fatores estão levando ao sobrediagnóstico,
incluindo interesses comerciais e profissionais, incentivos legais e questões
culturais, dizem Moynihan e seus coautores, os professores Jenny Doust e David
Henry.
Testes cada vez mais sensíveis estão detectando
"alterações" cada vez menores, que nunca vão progredir, alargando as
definições das doenças e reduzindo os limiares de tratamento.
Isso significa que pessoas com riscos cada vez mais
baixos estão passando a receber "etiquetas médicas permanentes" -
"você sofre da doença X" - e recebendo terapias ao longo da vida que
não vão beneficiar muitas delas.
Somado a isso, há ainda a medicalização e o desperdício de
recursos que poderiam ser melhor utilizados para prevenir e tratar doenças verdadeiras.
Crença e fé
Mas Moynihan argumenta que o principal problema do
excesso de diagnósticos encontra-se em uma forte crença cultural na detecção
precoce, alimentada por uma profunda fé na tecnologia médica.
"Cada vez mais a população está passando a
acreditar que estar 'sob risco' de uma doença é o mesmo que ter a doença em
si," diz ele.
"Levou muitos anos para os médicos aceitarem
que bactérias causam úlceras pépticas," exemplifica o Dr. David Henry.
"Da mesma forma, será difícil para os médicos
e o público reconhecerem que a detecção precoce de doenças nem sempre é algo
feito no melhor interesse dos pacientes," conclui.
Fonte:
Diário da Saúde