Trinta
novas moléculas – algumas com potencial ação farmacológica – foram descobertas
no Instituto Butantan durante uma pesquisa que mapeou o conjunto de peptídeos existente
no veneno de três espécies de serpentes do gênero Bothrops, entre
elas a jararaca.
“O
objetivo do trabalho era descrever a complexidade do peptidoma, ou
conjunto de peptídeos, presente no veneno das espécies B. jararaca, B.
cotiara e B. fonsecai”, contou Solange Maria de Toledo
Serrano, coordenadora da pesquisa.
Os
resultados do estudo, considerado o mais profundo já realizado sobre peptidomas
de venenos de serpentes, foram divulgados em artigo publicado na edição de
novembro da revista Molecular & Cellular Proteomics.
Foram
sequenciados 44 peptídeos, dos quais 30 ainda eram desconhecidos. Entre as
novas moléculas, pelo menos quatro já testadas apresentaram atividade de
potenciação da bradicinina e inibição da atividade da enzima conversora de
angiotensina, substâncias envolvidas no controle da pressão arterial.
O
primeiro peptídeo potenciador de bradicinina isolado no veneno da jararaca
ainda nos anos 1960 deu origem a toda uma classe de medicamentos
anti-hipertensivos à qual pertence, por exemplo, o Captopril.
Para a pesquisadora,
que estuda enzimas proteolíticas de venenos há algum tempo, foi importante
utilizar abordagens de espectrometria de massas e bioinformática para mapear e
descrever os pontos de clivagens – nas toxinas que sofrem a ação enzimática,
principalmente de metaloproteinases, quando a “homeostase” do veneno é quebrada
durante o processamento dos venenos para análise.
As
análises foram realizadas no Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), um dos Centros de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP, durante o pós-doutorado de
Alexandre Keiji Tashima, atualmente professor do Departamento de Ciências
Exatas e da Terra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus
Diadema.
Para
identificar os peptídeos presentes nas amostras de veneno das três espécies Bothrops,
o primeiro passo foi separá-los das proteínas (que são moléculas maiores),
contou Tashima.
“Separamos
a fração proteica da fração peptídica, que juntas correspondem à maior
parte das substâncias presentes na secreção, por um processo chamado extração
em fase sólida”, disse.
Em
seguida, a fração peptídica foi analisada com a ajuda de um espectrômetro de
massas, aparelho que mede a razão massa/carga das moléculas ionizadas para obter
informações de massa das moléculas intactas e de seus fragmentos.
“A grande
dificuldade, no caso do peptidoma de venenos, é a falta de banco de dados que
permita fazer a identificação das cadeias de aminoácidos de forma automática.
Em grande parte dos casos é preciso fazer o sequenciamento manual”, explicou
Tashima.
Segundo
Serrano, essa é a razão pela qual o conhecimento sobre os proteomas de venenos
avança de maneira bem mais rápida que o conhecimento sobre os peptidomas. O
grupo da pesquisadora já havia investigado o conjunto de proteínas produzidas
por essas três espécies em estudos anteriores.
“Os
venenos de serpentes são ricas fontes de peptídeos biologicamente ativos, no
entanto, devido ao baixo número de sequências depositadas em bancos de dados, o
avanço na descoberta de novas moléculas tem ocorrido de maneira lenta. Isso é
ainda mais crítico para espécies raras, como a B. cotiara e a
B. fonsecai, ambas consideradas sob risco de extinção e sobre as quais há
poucos trabalhos publicados na literatura”, comentou a pesquisadora.
Resultados
inesperados
Ao fazer
o sequenciamento das cadeias polipeptídicas, os pesquisadores se surpreenderam
ao perceber que o peptidoma das amostras de veneno fresco era bem menos
complexo do que o presente em amostras de veneno liofilizado.
“Quando o
veneno é submetido às condições de laboratório, enzimas proteolíticas
naturalmente presentes na secreção entram em ação e começam a degradar as
proteínas, dando origem a mais peptídeos”, explicou Tashima.
Os
cientistas compararam três tipos de amostra: veneno fresco colhido na presença
de inibidores de enzimas proteolíticas, veneno liofilizado diluído em uma
solução com inibidores de enzimas proteolíticas e veneno liofilizado diluído em
solução ácida. Esta última foi a que apresentou o maior número de fragmentos de
proteínas, ou seja, sofreu maior degradação.
“Não
esperávamos observar uma degradação tão forte das proteínas. Agora, será
preciso estudar o impacto disso, por exemplo, na produção de soros
antiofídicos, que normalmente é feita com veneno liofilizado”, afirmou Tashima.
As
serpentes do gênero Bothrops são responsáveis por cerca de 90%
dos acidentes ofídicos que ocorrem no país, contou o pesquisador. A grande
maioria dos casos envolve a jararaca, comum no país inteiro. Já a B.
cotiara está presente apenas nas regiões de mata araucária e a B.
fonsecai, na Mata Atlântica.
Para Hugo
Aguirre Armelin, coordenador do CAT-CEPID, a pesquisa revela as vantagens da
abordagem proteômica para o estudo dos venenos. “O apoio da FAPESP está
terminando este ano, mas deixou um laboratório equipado com espectrômetro de
última geração que nos permite fazer análises detalhadas de estruturas tão
complexas como a dos venenos de serpentes. Além disso, permitiu formar recursos
humanos qualificados”, disse.
O artigo Peptidomics
of Three Bothrops Snake Venoms: Insights Into the Molecular Diversification of
Proteomes and Peptidomes (doi: 10.1074/mcp.M112.019331) pode ser lido
em www.mcponline.org/content/11/11/1245.abstract.
Por Karina Toledo - Agência
FAPESP