Um
surto de meningite letal nos Estados Unidos no mês de outubro 2012 deixou 29
vítimas. A proliferação da doença deveu-se a injeções contaminadas de
esteroide. No Paquistão, em março, 125 pessoas tiveram uma overdose após tomar
um medicamento para o coração que continha um volume tóxico de uma droga
destinada a combater a malária. Os dois casos serão debatidos numa reunião em
Buenos Aires. Representantes de cerca de cem países-membros da Organização
Mundial de Saúde (OMS) vão discutir formas de garantir a defesa da população
contra medicamentos falsificados ou fora dos padrões e analisar os seus
impactos na saúde.
As
apreensões multiplicam-se anualmente em todo mundo. E se conhece apenas uma
pequena parte do problema, pois só um terço dos países conta com fiscalização e
agências de vigilância sanitária. Estima-se que 10% dos medicamentos comercializados
nos países pobres sejam falsificados ou estejam fora dos padrões.
Falta de Legislação global agrava o
problema
Pelo
menos cem mil pessoas morrem todos os anos no planeta devido a medicamentos de
baixa qualidade ou falsificados para câncer, doenças cardiovasculares ou
infecciosas. Este número, no entanto, pode ser ainda maior.
“Os
casos mais graves não são contados” assinalou Amir Attaran, autor principal de
uma análise de falsificações que está na edição da revista “British Medical
Journal”. — Por exemplo, de 10% a 30% dos medicamentos para malária são
falsificados ou fora do padrão na África, onde 600 mil crianças morrem por
causa desta doença a cada ano.
Também
de acordo com Attaran, no Brasil a apreensão de medicamentos sem registro pela
Anvisa passou de cinco toneladas em 2007 para 235 toneladas em 2009.
A
Europa também testemunhou um crescimento expressivo de apreensões em suas
fronteiras.
Entre
2010 e 2011, a quantidade de medicamentos ilegais retidos aumentou 700%.
“Ninguém
sabe quanto rende essa atividade criminosa. Mas o valor não é pequeno. São
bilhões de dólares todos os anos no mundo” explicou Attaran, em entrevista.
Professor
de Direito e Medicina da Universidade de Ottawa, no Canadá, Attaran atribui o
amplo espaço conquistado pelos criminosos à falta de uma legislação global
sobre medicamentos.
“O
debate diplomático é interminável” acusou. “O progresso é zero”.
Nos
últimos três anos, nós regredimos porque uma força-tarefa da OMS recebeu ordens
na Índia para deixar de trabalhar, e as definições legais da entidade do que
seriam maus medicamentos foram desconsideradas, sem serem substituídas por
outras. Defender as leis de propriedades intelectuais, a bandeira dos países
ricos e da indústria farmacêutica, não seria o suficiente para acabar com o
comércio ilegal de medicamentos.
“Há
muitos medicamentos que são falsificados e que não estão sob patente ou marca registrada”
lembrou. “Alguns deles não custam mais do que alguns dólares, como
antibióticos, antimaláricos, analgésicos. Enquanto os países não chegam a um
consenso, os medicamentos de origem duvidosa continuam fazendo vítimas.”
Entre
os dados analisados por Attaran está um levantamento comandado pela PUC-RS e
pela Superintendência do Rio Grande do Sul da Polícia Federal, segundo o qual
69% dos medicamentos apreendidos no país entre 2007 e 2010 auxiliam o
tratamento de disfunção erétil, e 26% são esteroides anabolizantes.
A
maioria tem como destino as regiões Sul e Sudeste, onde estão os principais
portos e aeroportos brasileiros.
O
governo indiano pressionou a OMS para impedir o acesso de ONGs e profissionais
de saúde ao encontro. O país é um dos maiores produtores de medicamentos
falsificados ou de baixa qualidade, o que contraria as regras da organização
internacional.
Para
Attaran, “obstruir o regulamento seria diplomaticamente embaraçoso para a
Índia, por isso ela quer fechar a reunião”. Pesquisadores indianos que
participaram do levantamento do “British Medical Journal” também não poderão
participar do debate.
Os
mais falsificados
No
Brasil
Segundo
levantamento realizado entre 2007 e 2010 por Joseane Ames, da PUC-RS,e por
Daniele Zago Souza, da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, 69% dos
medicamentos falsificados apreendidos no país deveriam tratar disfunção erétil
(Viagra, Cialis); e 29% são esteroides anabolizantes (Durateston, Hemogenin,
Deca Durabolin).
Nos
Estados Unidos
Também
de acordo com Joseane e Daniele, em 2009 o Instituto de Segurança Farmacêutica
dos EUA registrou aumento da falsificação de produtos terapêuticos alimentícios
(57%), anti-infecciosos (48%) e contra distúrbios cardiovasculares (23%).
Jornalista:
Renato Grandelle - O Globo