No fim de maio, a U.S. Preventive Services Task Force
(USPSTF, uma força-tarefa composta por médicos e especialistas em medicina
preventiva) recomendou que o teste antígeno prostático específico (PSA) não
seja usado como método de rastreamento para o câncer de próstata, já que
“muitos homens são prejudicados e poucos são beneficiados pelos resultados
destes exames”. A decisão criou polêmica entre os urologistas e confundiu os
pacientes.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) tem as
mesmas diretrizes e o motivo principal é o desconhecimento da história natural
do câncer de próstata: não se sabe por que o tumor aparece ou como evolui, só
se sabe que surge em homens a partir de uma certa idade, mas alguns vivem com a
doença sem saber dela — 30% dos casos são descobertos na necropsia, segundo
dados do Inca. O PSA é um corte numa situação: um exame normal não significa
que o paciente está seguro e um nível alto não quer dizer que o paciente tem
câncer.
Uma vez detectada a doença, o médico ainda deve medir
perdas e ganhos na qualidade de vida do paciente, pois o tratamento pode causar
incontinência urinária e impotência sexual.
A letalidade do câncer de próstata é uma variável que
ninguém pode prever. O PSA detecta que há uma alteração na próstata, não é
específico para apontar um tumor, já que uma lesão ou aumento na próstata podem
provocar aumento de PSA, por isso não é eficaz como rastreamento. Mas isso não
significa que o paciente não possa decidir fazer junto com seu médico, a partir
de uma avaliação individual — diz o diretor geral do Inca, Luiz Antônio
Santini.
Rastreamento em grupos de risco
O médico Miguel Srougi,
professor titular de Urologia na Universidade de São Paulo (USP), classifica a
atitude da força-tarefa americana como irresponsável e diz que no Brasil os
custos já inviabilizariam qualquer rastreamento: pelos seus cálculos se todos
os homens acima de 50 anos fizessem a triagem, isso custaria R$ 6 bilhões ao
governo.
Quando fazemos campanhas no Hospital das Clínicas, de 20%
a 25% são indolentes, mas 75% são cânceres agressivos. Essa visão da
força-tarefa é enviesada, de clínicos que nunca viram um doente, ninguém se
preocupou em ver como fica um paciente que sofre durante cinco anos com a
doença — diz Srougi. — Pelo menos nos grupos de risco deveria haver
rastreamento: negros, obesos e pessoas com histórico familiar da doença.
Em comunicado da USPSTF, o representante Michael Le Favre
escreve que “o câncer de próstata é um problema sério de saúde pública que
afeta milhares de homens e suas famílias, mas antes de fazer o teste PSA, todos
os homens merecem saber o que a ciência sabe sobre o exame: há pequenos
benefícios e prejuízos significativos. Encorajamos clínicos a considerar esta
evidência e não fazer o rastreamento a menos que o indivíduo tenha estas
informações e tome uma decisão pessoal”.
Toque retal causa constrangimento
A Sociedade Brasileira
de Urologia ainda não se posicionou sobre a recomendação da força-tarefa
americana, mas segundo o diretor de Comunicação, Carlos Alberto Bezerra, uma
análise já foi encomendada para saber os impactos na população brasileira, que
tem características parecidas com a americana.
O medo do toque retal por parte de muitos homens, segundo
ele, pode ter levado ao aumento do número de exames de PSA. De acordo com o
Ministério da Saúde, em 2010 foram feitos 3,6 milhões de testes de PSA no
Sistema Único de Saúde (SUS) e em 2011 o número subiu para 3,9 milhões de
exames. Na rede particular, em laboratórios como o Richet, por exemplo, onde o
teste de PSA custa R$ 121,00 e fica pronto no mesmo dia, são feitos 1.500
exames do tipo por mês.
Muitos homens pedem para fazer só o PSA, mas diante de
qualquer alteração o médico tem que pedir biópsia. Com o toque retal conjugado
ao PSA o médico pode acompanhar melhor — diz o urologista.
No meu consultório a detecção é feita mais pelo exame de
PSA — admite.
O urologista Fernando Vaz, que atualmente está nos EUA e
acredita que a nova recomendação trará muitas dúvidas para os doentes
brasileiros, critica os resultados da força-tarefa com base em decisões
anteriores desse grupo que não tem um especialista em urologia: — Há poucos
anos eles desaconselharam o screening de câncer de mama e mamografias, o que
encontrou uma forte resistência e nunca se transformou em recomendação oficial.
O programa certamente visa a diminuir os custos e julga
de forma equivocada o resultado — acredita.
Nenhum programa de prevenção pode ser julgado
isoladamente. O uso isolado de um teste com resultados tipo branco no preto
tiram a arte da medicina e a transforma em ciência pura, o que ela não é, pois
trata pessoas diferentes.
O diretor geral do Inca dá o exemplo do câncer de colo do
útero como parâmetro de rastreamento eficaz.
A gente sabe que uma lesão iniciada pelo HPV provoca
alteração na mucosa do colo do útero, que em um percentual mínimo pode se
transformar em câncer, então vale a pena fazer o exame periódico porque se pode
evitar a doença: o médico retira a lesão e acabou. Mas isso só acontece porque
conhecemos bem a história natural desse tumor e isso faz toda a diferença — diz
Santini.
Para o urologista Miguel Srougi, mesmo com todas as
falhas do exame, vale a pena o rastreamento. Segundo ele 40 mil americanos
morrem por ano vítimas da doença e 18% dos homens no mundo ainda terão câncer
de próstata. Quando tratado o tumor, os riscos de incontinência urinária
decorrentes da cirurgia são de 15% e de impotência, por causa da radioterapia,
de 2% a 3%, segundo ele. Mas a espera por um exame perfeito, no entanto, ainda
deve durar cerca de dez anos.
Estamos no início das pesquisas que apontam para um novo
marcador, o HGC, mas isso ainda não foi testado em grandes populações. No
futuro vamos chegar a um exame sem falhas, mas até isso acontecer teremos que
usar o PSA mesmo. E aí rege o bom senso: se o tumor for agressivo o
especialista trata, se for indolente o médico avalia — diz.
Por: Viviane Nogueira